203i14
Controle
social - Maioria de juizes
preocupa-se apenas com salrio
Andr Lus Alves de Melo *
Na verdade restringir o conceito de justia a Poder Judicirio e
Ministrio Pblico uma viso meramente cultural, mas equivocada. O
Legislativo faz justia quando elabora boas leis; o Executivo tambm
faz justia quando executa boas medidas; as Escolas fazem justia
quando formam bons cidados, a imprensa faz justia quando publica
boas reportagens e muitos outros segmentos tambm fazem justia.
comum na rea jurdica reclamar do excesso de processos e da falta
de verba. Contudo, o que se faz necessrio mudar os paradigmas da
istrao jurdica. Se continuar da forma que o corporativismo
jurdico vem conduzindo o Ministrio Pblico e o Judicirio, ser
necessrio dividir o oramento do Brasil entre os mesmos, no
sobrando mais nada para os demais setores, afinal sustentam que o
importante fazer justia de papel.
Enquanto a imprensa e a sociedade discutem a lentido da justia
brasileira, nas In u????o??stituies jurdicas so poucos os interessados em
debater o tema, pois so vistos como criadores de problema, a nica
soluo que interessa aos conservadores criar cargos. A criao
de cargos feita atravs da Lei Orgnica, sem discusso com a
sociedade e at mesmo com as bases das carreiras, e que participam
parentes dos futuros candidatos aos cargos e donos de cursinhos para
concurso. Alguns dirigentes jurdicos tambm acreditam que quanto mais
juzes e promotores nomearem em seus mandatos tero maior influncia
sobre os mesmos. H tambm presso interna, pois a nica forma de
algum sair das comarcas pequenas e ir para as cidades maiores criar
cargos nestas cidades.
Afinal criar soluo para o povo criar problema para a classe jurdica,
pois o cidado tem que ser estimulado a jogar na loteria jurdica para
que os juristas possam lucrar com o caos. Em suma, espalham vrus da
lentido processual e do litgio e vendem seus remdios. Ou seja,
tratar sempre, mas curar nunca.
Querem agilizar os processos? Basta alterar um nico artigo do Cdigo
de Processo Civil, o art. 447, transportando as audincias de conciliao
para antes da contestao e deleg-las para assessores. Isto
resolveria 60% dos processos em menos de sessenta dias. E ainda ar
para o Juizado Especial as causas de famlia remunerando os juzes
leigos, muito mais barato e rpido.
Reclamam do excesso de processos, mas no publicam a produtividade de
cada promotor e juiz na Internet para o povo ver quem no trabalha. No
priorizam as aes coletivas (que resolvem milhares de problemas em
uma nica ao, mas segmentos do Judicirio, com cime do Ministrio
Pblico ficam discutindo questes processuais de legitimidade)
No ano de 2000 f u????o??oram 10.000 aes trabalhistas nos Estados Unidos,
enquanto no Brasil foram 4.000.000 (quatro milhes). claro que
ocorreram conflitos de origem trabalhista no mundo norte americano, mas
buscam outras formas de soluo extrajudicial e at mesmo a preveno.
Na Frana existem apenas 9000 magistrados, destes 1500 promotores, alm
de 900 juzes istrativos (similar aos federais). Na Alemanha
existem aproximadamente 160.000 juzes, mas quase 90% so juzes
leigos, de paz e arbitrais. Outro dado que na Europa, em geral, juzes
e promotores so tratados como magistrados e formam na mesma escola,
aprovados em uma espcie de vestibular para serem alunos, escolhendo a
carreira aps o trmino do curso de acordo com a classificao. Um
sistema muito mais profissional do que o do Brasil onde j se assume o
cargo aps meras provas intelectuais, muitas vezes feitas de forma
amadora, sem critrios tcnicos e transparentes.
Na Inglaterra, existem apenas 1800 juzes judiciais, e mais de 20.000
juzes leigos. Portanto, no resto do mundo so poucos juzes
judiciais. Quando se diz que na Alemanha existe um juiz para cada 5000
habitantes no um juiz judicial. Seria um absurdo imaginar que uma
cidade brasileira de 15.000 habitantes tivesse que ter trs juzes e
trs promotores.
No Brasil, o processo transforma o ru em vtima, como se o autor da ao
tivesse recorrido ao Judicirio para lazer. Na Itlia os estudos
comprovaram que 85% das aes so procedentes, o que significa que a
grande vtima o autor da ao, que teve o seu direito violado. O
que ocorre que existe uma indevida reserva de mercado para bacharis
em Direito, pois todo cidado deveria ter o direito de fazer o concurso
para juiz ou promotor e se aprovado porque tem conheci u????o??mento jurdico
e social.
Afinal para atuar em varas de famlia, de acidentes de trnsito e
avaliar questes constitucionais como intimidade, harmonia entre os
poderes, funo social, no precisa ser formado em Direito.
E se realmente os profissionais jurdicos tm conhecimento, certamente
ocuparo todas as vagas do concurso. Mas o fato que h 1.000.000
(um milho) de bacharis em Direito e destes aproximadamente 500.000 so
advogados, logo precisam gerar um mercado de trabalho. Somos o pas que
proporcionalmente mais tem bacharis em Direito, e temos a maior
desigualdade social. Isto corrobora o entendimento de que no
fornecendo Diploma de Direito que se faz justia.
Outro fator curioso que na rea jurdica o importante no a
realizao, mas o cargo. Se estudarmos o currculo de quase todas as
autoridades jurdicas veremos que poucos fizeram alguma coisa
relevante, a maioria apenas ocupou cargos. E apesar de ser comum dizerem
que so paladinos da justia e sabedoria, veremos que na rea jurdica
difcil encontrar algum que tenha um ado de lutas sociais e
destaque intelectual, em geral repetem conceitos criados por terceiros
sem anlise crtica. A maioria quer o status e o poder sem controle
social, e usam a forma eufmica de "fazer justia".
As camadas sociais de outrora que compravam ttulos de nobreza, hoje
adquirem diplomas de Direito que lhes assegura uma reserva de mercado
sem competio, pois menos de 7% da populao tem o s
universidades. Exigir diploma para concurso pblico atender aos
interesses das corporaes, pois bastaria a seleo ser mais
completa e avaliar os reais conhecimentos. Entretanto, no tocante especfico
ao Judicirio, mais grave. Pois seria o u????o??mesmo que exigir diploma
superior de pblico para ser chefe do Executivo.
A esmagadora parcela dos casos que tramitam no Judicirio so causas
repetitivas. Funciona assim: os advogados ou os promotores mais
estudiosos desenvolvem as teses e os outros ficam copiando. Em razo
disso no h interesse da classe jurdica em auxiliar o Legislativo
em fazer boas leis, pois quanto a maior lacuna na lei, mais importante
fica a funo do intrprete.
Questes altamente complexas e tcnicas como referente a computadores
no est a estrutura jurdica tradicional preparada para julg-las,
inclusive at comum encontrar juzes e promotores que nem sabem
ligar um computador.
Quer algo mais democrtico e eficiente do que a possibilidade de as
partes escolherem o rbitro que decidir o caso? Isto ocorre no juzo
arbitral. Mas como no precisa ser formado em Direito e nem ser
advogados, o sistema boicotado pela classe jurdica. Ambos os
sistemas, arbitral e judicial, devem coexistir e o cidado deve ter o
direito de escolher baseando sua deciso em critrios como confiana
e eficincia. Aps pesquisas informais em dez universidades "jurdicas",
constatamos que os "estudantes" no sabiam o que era um juzo
arbitral.
A rigor, estudar Direito deveria ser desenvolver atividades para
identificar fatos e apresentar solues, seja no Judicirio,
Legislativo e at no Executivo. Alis, a maior parte dos direitos quem
cria o Legislativo, pois somos um pas codificado. Mas a nobre funo
jurdica transformou em mero despachante judicial, vivendo da
burocracia processual.
O prprio Executivo tem feito vrias tentativas de reduzir a sua
parcela de culpa pelo acmulo de p u????o??rocessos, como criao dos juizados
especiais (discriminados pelos juristas conservadores e elitistas), que
dispensa o precatrio e o recurso automtico em valores pequenos,
implantao de smulas istrativas para si e evitando recursos
desnecessrios. Realmente o que inspira o Executivo so as exigncias
externas como os estudos do Banco Mundial, mais pelo menos inerte do
que a maioria dos setores jurdicos.
Permitir justia agir sem limites e sem controle social
possibilitar a criao de regras personalizadas. E se a lei no pode
retroagir para prejudicar o ru, no seria crvel imaginar que a
sentena poderia retroagir sem limites, pois isto traz a insegurana
social. Como diz Nobberto Bobbio, melhor um governo impessoal de leis
do que um governo pessoal de homens (sentena).
No Brasil, no se discute o direito material, a quase totalidade das
questes que chegam aos tribunais sobre processo. E os tribunais
brasileiros escolhem entre as teses desenvolvidas pelas partes, mas no
colocam como se assim o fosse, nem as citam. De forma diferente dos
tribunais americanos, que fazem referncia s partes e suas teses.
Respeitando posies contrrias, mas ser contra a smula vinculante
o mesmo que ser a favor de que cada Deputado Federal faa um cdigo
civil, ou seja, teramos 513 Cdigos Civis e instalaramos o caos,
como ocorreu na rea judicial. O problema estudar meios de trocar a
cpula periodicamente para oxigenar os entendimentos, um mecanismo que
existe at nas Foras Armadas mediante a reforma do militar, mas no
meio jurdico somente aos 70 anos de idade.
O rodzio na cpula j existe na rea eleitoral e dos juizados
especiais e funcionam muito bem. Isto significa horizontalizar o sistema
u????o?? jurdico, em vez de ser vertical, o qual no permite que as mazelas
sejam expurgadas, pois os substitutos sero escolhidos pelos substitudos,
em um continusmo coronelista.
Tambm precisamos rever a questo do direito adquirido e adequ-lo
nova ordem social, que no pode permitir que o direito individual
sobreponha ao interesse coletivo e moralidade. Pois a classe excluda
no tem direito adquirido, nem direito a ser exercido. claro que
isto soa como um atentado aos dogmas defendidos por setores ortodoxos da
rea jurdica, pois lotearam os servios estatais e sociais e excluram
mais da metade da populao brasileira, a qual no tem direito algum,
a no ser o de lutar pela sobrevivncia em condies sub-humanas.
Enquanto a sociedade quer resultados, os juristas ortodoxos esto
preocupados com a margem das peas, se h citao de doutrinas e
outras coisas formais. Palavras como produtividade, complexidade,
quantidade soam como palavres para uma classe que parou no latim em
pleno mundo plugado na Internet. preciso criar um sistema de avaliao
que mea os resultados, seria o QQC (qualidade, quantidade e
complexidade) e no o primrio critrio de citar nmero de processos
parados, pois isto no excesso de servio, e sim falta de
produtividade.
Pagar altos salrios a um juiz ou promotor para ficar batendo carimbos
em aes de divrcio amigvel, inventrios sem conflito, furtos
simples, chega a ser desumano em pas que falta escola, hospital e
segurana pblica. O juiz no Brasil a mais tempo despachando do
que sentenciando, o que um desvio de funo, pois despachos podem
ser feitos por assessores.
Alguns setores judiciais aumentaram a despesa em at mais de 6 vezes
desde 1988, sem ap u????o??resentar um resultado eficiente, portanto no basta
apenas aumentar a disposio de recursos. Se estados como So Paulo tm
mais processos tambm tm maior oramento, e o quociente de 6%
suficiente. O erro da escolha da istrao ao fazer escolha por
trabalhar artesanalmente no pode ser pago pelo povo e pelo dinheiro pblico.
O oramento para estas Instituies extremamente suficiente basta
implantar o gerenciamento e internet, no primeiro seriam criados cargos
de assessores concursados para fazer atividades menos complexas e no
segundo acabariam as ilhas istrativas com a interligao. O
problema no falta de dinheiro, mas falta de acabar com a forma
artesanal de trabalhar. A questo que dificulta a vaidade pessoal
destes profissionais que criaram feudos com base em uma crena que so
a representao divina na terra e para no terem tempo de fazer o
trabalho mais complexo, acumulam em si atividades mecnicas como
despachos ordinatrios (ao, ao, ao, ... ao autor, ao ru, ao
promotor).
O trabalho que atualmente feito consumindo 45.000 reais mensais pode
ser feito custando apenas 15.000 reais mensais e produzindo cinco vezes
mais. Isto sem avaliar o custo indireto onde economistas projetam que o
custo social pela lentido na soluo de conflitos chega a 20% do
PIB.
Dados do IBGE indicam que menos de 30% da populao brasileira tem
o ao Judicirio, logo uma estrutura elitista. Precisamos
inclusive rever a questo dos cartrios previstos pelo art 236 da CF,
que sobrevivem de um monoplio e da burocracia. Os registros de imveis
e de pessoas naturais e jurdicas devem ficar com o Estado, em nvel
estadual ou federal, por ser questo de segurana pblica.
Os Estados Unidos consumindo u????o??menos do seu PIB (Produto Interno Bruto) do
que gastamos no Brasil com sistema jurdico, em relao ao nosso PIB,
consegue ter um servio muito melhor do que o brasileiro, .
O processo gira em torno do magistrado com atividades burocrticas, sem
carter decisrio, em vez de ser gerenciado e ter como centro de
gravidade as partes.
Se a classe jurdica no sabe istrar, a soluo ser a que foi
adotada nos Estados Unidos e na Espanha, onde es jurdicos
com formao especfica universitria exercem esta funo.
De forma demagoga alguns juristas colocam a Constituio Federal como
intocvel. Mas onde est o cumprimento do princpio da eficincia no
Ministrio Pblico e Poder Judicirio? Quais teriam coragem para
permitir uma auditoria externa e independente? At hoje no se
implantaram as escolas de promoo prevista no art. 39, pargrafo 2,
da Constituio. Especializam as varas e promotorias, mas no se
exige cursos prprios!! Bastaria fazer provas para as promoes para
acabar com o "mendigamento" interno de votos. Curioso ver juzes
e promotores se auto-proclamarem independentes, mas concordarem com
reunies secretas da cpula, votos secretos e sem fundamentao.
At acho que como os cargos so pblicos deveriam ar por avaliao
social de tempos em tempos e inclusive por novas provas. Se o importante
a imparcialidade, esta advm mais da permanncia por um tempo
previamente definido do que pela vitaliciedade. Pois em razo disto,
alguns acham que so donos do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico
em uma espcie moderna de coronelismo, condenando os que ousam
discordar, usando-se de um falso processo formal, mas tendencioso,
iniciado e julgado por uma classe jurdica que tem interesse em coibir
os u????o?? questionamentos. Uma forma de silenciar mais sutil do que a da
ditadura militar. Afinal durante a inquisio tambm existia o
processo para "defesa". A censura pode ser feita de vrias
formas.
Como pode o Judicirio julgar a si mesmo? Ser ru e julgador ao mesmo
tempo? Precisamos criar urgentemente o Conselho Constitucional nos
moldes do modelo europeu, composto por mandato certo e com integrantes
de todos os poderes sociais e estatais, para evitar os conflitos entre
os poderes atravs de decises colegiadas.
prefervel que dependam do povo, que prestem contas da
produtividade, que faam consultas pblicas sobre sugestes
istrativas, audincias pblicas para discutir a istrao e
fazer avaliao dos magistrados e promotores, no precisa ser eleio,
pois hoje j existem outros meios de participao popular.
O importante acabar com a caixa-preta e com concursos sem critrios
objetivos, os quais como so feitos e fiscalizados pelos mesmos que
julgaro os seus atos, seria necessrio terceirizar a execuo deste
processo para evitar a parcialidade.
O controle social do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico algo
extremamente necessrio. Mas a maioria dos juzes e promotores acha
que faz um favor para a sociedade e preocupa-se apenas com os seus salrios
e promoes na carreira.
Felizmente, h grupos que diferem deste comportamento egostico dentre
os quais os membros do "Movimento Juzes para a Democracia" e
"Ministrio Pblico Democrtico". No basta exigir que o
povo nos oua e obedeam as decises jurdicas, preciso ouvir as
pretenses sociais, seno implantamos a ditadura da toga. Mais
importante do que democracia na escolha dos dirigen u????o??tes a democracia
na conduo das instituies. Ainda h esperana.
Revista Consultor Jurdico, 6 de maro de 2002.
--------------------------------------------------------------------------------
Andr Lus Alves de Melo promotor de Justia em Estrela do Sul
(MG), mestrando em Direito Pblico e especialista em Processo Civil
|