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ABC da Cidadania Joo Baptista Herkenhoff 5p615k

QUARTO CAPTULO

PARTICIPAO POPULAR – O POVO CONSTRUINDO SUA PRPRIA HISTRIA.

1. Os trs grandes momentos de participao popular na Histria recente do Brasil.

Segundo minha observao, os trs grandes momentos de mais autntica participao popular, na Histria contempornea do Brasil, foram:
a) o da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita;
b) o da luta por eleies diretas para Presidente da Repblica;
c) o da luta pela convocao de uma Assemblia Nacional Constituinte, incluindo o perodo pr-constituinte (1984 a 1986) e o perodo de reunio do Congresso Constituinte (de 1987 a 1988).

2. A conquista da anistia.

A anistia em favor dos cidados que tinham sido alcanados por punies do regime militar representou uma ponte de reencontro dos brasileiros.
Presos polticos foram postos em liberdade, lderes que estavam no exlio puderam regressar Ptria, cidados que tinham sido proscritos da vida pblica puderam recuperar seus direitos de cidadania. Outros milhares de cidados que eram mantidos sob vigilncia e suspeio, puderam respirar aliviados com a supresso das presses que recaam sobre eles. O autor deste livro, durante vrios anos, teve toda a sua correspondncia, que vinha do Exterior, devassada. Os censores nem faziam questo de disfarar a censura correspondncia. Pelo contrrio, as cartas eram abertas e novamente coladas com tiras espalhafatosas de durex ou adesivos grossos, de modo a deixar evidenciado, para o destinatrio da carta, que a mesma tinha sido lida. Quando requeri um “habeas data”4 ao Poder Judicirio, depois da promulgao da Constituio de 1988, juntei a minha petio vrios exemplares de minha correspondncia, com a prova dessa devassa. No foi conquistada uma anistia para que, dali para a frente, houvesse unanimidade de opinies polticas. A anistia legitimou a divergncia democrtica, o debate, o dilogo. Mesmo pessoas que pensam de maneira oposta devem ter a oportunidade de discutir, de expressar suas discordncias, de lutar por suas idias. justamente esse pluralismo, essa possibilidade de pensar diferente que constitui a essncia da democracia.
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3 Cidados proscritos da vida pblica so aqueles cidados que tiveram seus direitos polticos cassados. Trata-se de cidados que foram expulsos da vida pblica. Alguns que tinham mandatos populares, isto , que tinham sido eleitos pelo povo, foram privados de seus mandatos. Outros perderam cargos para os quais tinham sido eleitos pelos companheiros, nos sindicatos. Tambm professores universitrios, militantes de partidos polticos, eclesisticos catlicos e protestantes, jornalistas e estudantes foram perseguidos e afastados de suas atividades. Outros foram presos, muitos foram torturados, alguns foram assassinados.

4 O “habeas data” foi criado pela Constituio de 1988 e destina-se a permitir que o cidado fique ciente de todos os registros existentes sobre sua pessoa em rgos de informao poltica.

3. A anistia precisa de ser completada.

A meu ver, a anistia precisa de ser completada, com a soluo do problema dos chamados “desaparecidos polticos”.

Inmeros brasileiros, que recorreram luta armada para derrubar a ditadura, foram mortos durante o regime militar. Em muitos casos, os corpos foram enterrados clandestinamente.

Enterrar seus mortos um direito humano fundamental das famlias.

Dentro de nossa tradio cultural, o enterro de um parente querido muito importante. No enterro, a famlia chora ao morto, verte suas lgrimas sobre o caixo, lana areia ou uma flor a sepultura.

O Brasil no pode ar por cima desse episdio dos “desaparecimentos polticos”, como se isso no tivesse acontecido.

preciso que os casos de “desaparecimento poltico” sejam esclarecidos, que os corpos sejam localizados e que os mortos tenham direito sepultura.
Sem revanchismo,5 mas por uma questo de Justia e Humanidade.
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5 Dizemos “sem revanchismo”, no seguinte sentido. No se trata de voltar aos grandes dios, s grandes intolerncias de um perodo histrico ainda recente. No se trata de “vingar” as mortes. Nada disso... Trata-se simplesmente de esclarecer as mortes, encontrar os ossos dos que foram mortos, dar sepultura a quem morreu.

4. A luta por eleies diretas para Presidente.

A luta da sociedade brasileira, reclamando o direito de eleger diretamente o Presidente da Repblica, tambm foi um momento muito importante e muito belo de nossa Histria.

Desde 1964, o Brasil era governado por generais, escolhidos pelos prprios militares. Os nomes desses generais eram formalmente submetidos ao Congresso Nacional para que se tivesse a impresso de que tinha havido uma “eleio indireta”. Mas na verdade no se tratava nem mesmo se uma eleio indireta. Tratava-se se uma simples “homologao”, de um simples “amm, amm”.

Que independncia tinham deputados e senadores para, eventualmente, recusar o nome de um general, se o prprio mandato dos deputados e senadores estava nas mos dos generais? O mandato estava nas mos dos generais porque o regime ditatorial em vigor permitia que deputados e senadores fossem cassados, fossem privados de seus mandatos.

Alm disso, o Congresso do perodo da ditadura no representava o povo brasileiro porque as maiores lideranas da vida nacional estavam cassadas, presas ou no exlio.

Depois da anistia, o o seguinte para a democratizao do pas seria a eleio direta para Presidente. A campanha para as eleies recebeu um batismo de combate: “diretas j”. Isto significava o seguinte: ns, o povo brasileiro, queremos eleger imediatamente o Presidente da Repblica. No aceitamos que a promessa de “eleies diretas” seja adiada.

Milhes de brasileiros foram s praas pedir eleies diretas.

Mesmo assim, a emenda constitucional para a eleio direta do Presidente da Repblica foi recusada. Isto causou uma grande decepo ao povo brasileiro.

Houve ento eleio indireta de dois civis, que se comprometiam com o retorno da vida democrtica: Tancredo Neves (mineiro) como Presidente; Jos Sarney (maranhense), como Vice-Presidente.

Tancredo Neves morreu antes da posse. Assumiu a Presidncia o maranhense Jos Sarney.

5. A luta pela convocao de uma Assemblia Nacional Constituinte.

Feliz com a anistia, mas frustrado com a eleio indireta do Presidente, o povo lutou pela convocao de uma Assemblia Nacional Constituinte.

Esta deveria ser livre, exclusiva e soberana. Deveria possibilitar a instituio, em nosso pas, do Estado de direito. Isto quer dizer: o povo queria a democracia, o chamado Estado democrtico.

Da mesma forma que a luta pela anistia e a luta pelas “diretas j”, a luta pela Assemblia Nacional Constituinte teve o calor de esperana da alma popular.

O Brasil, atravs de representantes eleitos, escreveria a sua lei maior, a sua carta de direitos, o seu mapa da cidadania. Era esse o clamor do nosso povo.

6. No houve uma Assemblia Constituinte exclusiva, como reclamava a opinio pblica.

No houve uma Assemblia exclusiva para discutir e votar a Constituio, como foi pedido por amplos setores da populao. No houve assim uma “Assemblia Nacional Constituinte”.

Foram eleitos pelo povo deputados e senadores. Estes deputados e senadores fizeram a Constituio e depois continuaram como deputados e senadores at o fim do mandato, isto , at terminar o tempo para o qual foram eleitos. Assim, a Constituio foi promulgada por um “Congresso Constituinte”.

Os parlamentares que fizeram a Constituio no reconheceram que integravam um Congresso Constituinte. Logo no incio do texto da Constituio, como vimos no captulo anterior, eles se definiram como membros de uma “Assemblia Nacional Constituinte”.

7. A participao popular na Constituinte.

De qualquer forma, a meu ver, o Congresso Constituinte foi legitimado por um fato posterior. Esse fato aconteceu revelia do prprio Congresso Constituinte. Refiro-me participao do povo no debate e na feitura da Constituio do Brasil.

O povo organizado – atravs de associaes, sindicatos, comits pela participao popular na Constituinte etc. – teve peso decisivo na elaborao da Constituio Federal de 1988.

Uma das formas mais importantes de participao foi a apresentao das chamadas “emendas populares.”

Chamavam-se “emendas populares” as propostas que os prprios eleitores apresentaram perante o Congresso Constituinte. As emendas foram patrocinadas por instituies da sociedade civil.

As “emendas populares” alcanaram o expressivo total de doze milhes, duzentas e sessenta e cinco mil, oitocentas e cinqenta e quatro s.

Num “ABC da Cidadania” como este, de reduzido nmero de pginas, no podemos demonstrar o quanto as “emendas populares” influram no texto finalmente aprovado e promulgado como Constituio do Brasil.

Num livro futuro, se tiver a oportunidade de escrev-lo, pretendo mostrar a fora que as “emendas populares” tiveram, no processo de elaborao de nossa atual Constituio. J iniciamos um esforo, nesse sentido, publicando alguns livros que trataram de aspectos particulares da Constituio. Nesse livro, fizemos o estudo de alguns temas constitucionais a partir das reivindicaes populares.6

Tenho tambm muito material coletado e classificado, a respeito de sugestes e reivindicaes apresentadas aos constituintes, pela sociedade civil brasileira, atravs de outros meios, que no apenas as “emendas populares”.

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6 O livro “Dilema da Educao – dos apelos populares Constituio” foi escrito dentro dessa linha. Esse fio publicado em 1989, pela Cortez Editora, de So Paulo. Esse mtodo de estudar Constituio e leis, a partir das reivindicaes populares, inverte o caminho normalmente seguido pelos juristas. A interpretao dos textos legais sempre feita a partir dos prprios textos.

O povo manifestou-se atravs de abaixo-assinados, visitas coletivas ao Congresso, reunies pblicas em recintos fechados (comcios), cartas individuais dirigidas aos parlamentares, cartas publicadas nas “colunas do leitor” de muitos jornais, sugestes apresentadas a uma Comisso criada pelo Governo para elaborar um anteprojeto de Constituio (Comisso Afonso Arinos) etc., etc.7

Eu me debrucei, cuidadosamente, sobre todo esse material. Posso dizer com firmeza: a participao popular foi decisiva para os rumos que a Constituio veio a tomar.

Algumas das melhores idias, includas na Constituio Federal foram assinadas formalmente por deputados e senadores, mas na verdade tiveram origem na alma e no grito de esperana de povo brasileiro. Dizendo de outra forma: deputados e senadores buscaram muitas vezes inspirao nas “emendas populares” e em outras formas de participao popular, para propor suas prprias emendas. Mesmo que no tenha o deputado ou senador feito referncia “emenda popular” em que se inspirou, seu procedimento, ainda assim, merece aplauso. Pior seria se tivesse “dado as costas” para as “emendas populares”.
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7 A Comisso Afonso Arinos, criada pelo governo para receber sugestes do povo, teve esse nome porque foi presidida pelo jurista Afonso Arinos de Mello Franco, hoje falecido.

8. A participao popular gerou uma contradio: a Constituio, em qualidade, ficou acima do Congresso que a votou.

A intensa participao popular no processo de discusso e votao da Constituio gerou uma interessante contradio. Veio a ser votada uma Constituio muito melhor do que aquela que se poderia esperar do Congresso Constituinte.

O congresso era formado, predominantemente, por foras conservadoras, comprometidas com a manuteno das injustias histricas que marcam a vida brasileira. O bloco conservador aglutinou-se, isto , juntou-se debaixo das asas de um grupo que se autodenominou “Centro”.8 Esse grupo tudo fez para “barrar” os avanos populares.

Mas a presso das foras populares foi to formidvel, que o Centro, mesmo sendo majoritrio, foi obrigado a “ceder” em inmeras questes.
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8 Foi escolhido o nome “Centro” querendo significar “grande Centro”. O “Centro” seria um bloco poltico que estaria localizado entre “a esquerda” (progressista ou revolucionria). E a “direita” (conservadora e reacionria). Mas na prtica no aconteceu isso. O “Centro” foi um bloco conservador que se colocou contra todas as propostas de avano da sociedade brasileira, no sentido de maior participao poltica popular, maior justia social, melhor distribuio dos bens.

Viemos a ter assim, pela fora e pela unio do povo, uma Constituio que abriu inmeras brechas para o crescimento da cidadania, a superao das injustias sociais e a construo de um pas melhor. Pela fora do povo organizado, acho que viemos mesmo a ter uma “Constituio cidad”. Esse nome “Constituio cidad” foi dado Constituio por Ulisses Guimares. Ulisses Guimares, hoje falecido, foi o Deputado que presidiu Assemblia Nacional Constituinte.

9. Reforma constitucional sem participao popular.

Penso que a atual reforma, que est sendo feita na Constituio, peca justamente pela falta de participao popular. A Constituio de 1988 foi discutida e votada com intensa participao popular. A Constituio est sendo reformada em pontos essenciais, sem participao popular ou com reduzida participao popular.

Quando encerrvamos a redao deste livro, muitos temas ainda estavam em debate, sem uma definio clara dos rumos que o Congresso iria tomar.

Contudo, lamento registrar um fato, quase um prognstico: na indica que as reformas em curso venham melhorar a Constituio. Pelo contrrio, pairam sobre o povo ameaas de retrocessos sociais.

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