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Direitos Humanos em Moambique
Josu Bila

Parte I – Artigos
Captulo IV

Debatendo fora da caixinha

Guebuza igual a Samora e Chissano em termos de discurso

- Combate corrupo, ao deixa-andar e ao nepotismo so alguns dos denominadores comuns

Nos anos das independncias africanas, Moambique teve o seu primeiro governo de transio em 1974. O objectivo era que a istrao colonial portuguesa asse o poder poltico aos moambicanos at o ano da independncia nacional, que seria proclamada em 1975. Nesse perodo e nos anos subsequentes, o nacionalismo evidenciado pelos discursos sobre a mudana da estrutura poltica, econmica, social e cultural, proferidos pelos lderes da Frente de Libertao de Moambique (Frelimo), ganharam terreno e eco popular. Porm, no surtiram efeitos. Os governos ps-independncia nacionais no conseguiram que suas pretenses de organizao do sector pblico para o desenvolvimento se transformassem em realidade.

Primeira mancha

Faz mais de trinta anos que o poder est nas mos do partido Frelimo e, por extenso, de moambicanos, depois de ter escapado fora das mos da istrao colonial portuguesa.
A 20 de Setembro de 1974, e pela primeira vez, os moambicanos ouviram a voz do ento presidente da Frelimo, Samora Machel, atravs da Rdio Moambique, anteriormente Rdio Clube. O discurso em grande parte se referiu posse do Governo de Transio, o que significou a transferncia progressiva de poderes do Estado Portugus para a Frelimo.

Discurso do partido Frelimo, intitulado Samora Machel: A Luta Contra o Subdesenvolvimento, editado em 1983, escreve que a independncia de Moambique destinava-se a liquidar a fome, a nudez e a falta de alojamento, bem como exigia o combate ao consumo suprfluo e ao esbanjamento.

A Frelimo sinalizou ainda aos moambicanos e comunidade internacional que a independncia significava trabalho para o aumento da produo e produtividade. Por outro lado, permitia acabar com o desequilbrio entre a cidade e o campo, definindo a agricultura como base de desenvolvimento e a indstria como factor dinamizador do desenvolvimento.

A essa altura, a Frelimo queixava-se de ter herdado uma situao difcil e grave do ponto de vista social, econmico, financeiro e cultural, resultante de sculos de opresso e pilhagem colonial....
Para contornar tal situao difcil e grave, Machel dizia, entre outras coisas, que havia necessidade e exigncia de os dirigentes, no seu comportamento, representarem os sacrifcios consentidos pelas massas.

No mesmo documento se l: o poder, as facilidades que rodeiam os governantes podem corromper facilmente o homem mais firme. Por isso queremos que vivam modestamente e com o povo, no faam da tarefa recebida um privilgio e um meio de acumular bens e distribuir favores.

A corrupo material, moral e ideolgica, o suborno, a busca de conforto, as cunhas, o nepotismo, isto , os favores na base de amizade e em particular das preferncias nos empregos aos seus familiares, amigos ou gente da sua regio fazem parte do sistema que estamos a destruir, frisara Machel.

Estas intenes todas no aram de politiquices de um grupo entusiasmado por ter derrotado o colonialismo. Cinco anos depois, seno seis, a Frelimo j andava frustrada com o seu prprio desempenho, razo pela qual, mais uma vez, adoptou estratgias de combate aos males que, quando tomara o poder pela primeira vez, prometera combater sem trguas.

Sucedeu, entretanto, que, de 1980 a 1990, a Frelimo desencadeou, num documento, o que chamou de Ofensiva Poltica e Organizacional, que visava, segundo a Sesso Alargada (ampliada) do Conselho de Ministros, realizada em 6 e 7 de Fevereiro de 1980, criar as condies para que possamos fazer, efectivamente, da dcada de 80, a dcada da vitria sobre o subdesenvolvimento. Para chegar a esse objectivo, a Frelimo, identificara o que, at hoje, no consegue atacar no sector pblico, ou seja, a corrupo, o nepotismo, o burocratismo, parasitismo, esprito de rotina e todas as formas de divisionismo.

Deixa-andar reconhecido pela Frelimo em 1985 Nos documentos supracitados, a Frelimo afirmava categoricamente que os males no seio do aparelho do Estado eram produto da influncia da teoria e da prtica pequeno-burguesas do regime colonial-fascista portugus. Em seus discursos ideolgicos, foi usando como alvo os ex-colonialistas para encobrir a sua incapacidade de gesto de Moambique.

Enquanto proferia esses discursos, o partido internamente ia se deixando corroer por hbitos danosos ao Estado, pois, tal como observa Brazo Mazula, no seu livro Educao, Cultura e Ideologia 1975-1985, na medida em que os interesses das elites dirigentes se foram distanciando uns dos outros, entre 1977 e 1983, ocorria ao mesmo tempo o enfraquecimento constante do partido, em relao ao prprio Estado. O ex-professor universitrio e jornalista Aquino de Bragana tambm se referiu a este desmoronamento moral e silencioso do partido governamental.

Assim, a concretizao na realidade dos planos alardeados pelos discursos ficou adiada. Nesse perodo de entusiasmo ideolgico, ainda de acordo com Mazula, novas classes se constituem no aparelho de Estado e do partido, na base de privilgios polticos e econmicas em relao ao conjunto da sociedade.

Nessas condies, as novas classes foram alargando o seu campo de aco, e praticaram a corrupo e o assalto, sem precedentes, aos bens pblicos. Essas atitudes e comportamentos da classe dirigente foram, evidentemente, inspirando, na forma de ser e de pensar, quase todos os sectores sociais e cidados moambicanos.

Mazula, na mesma publicao, apoiando-se em Aquino de Bragana, revela que uma das grandes crises da Frelimo foi que, apesar de gestos de autocrtica, evidenciados nos discursos presidenciais e de as intenes denotarem o desejo formal de estabelecer o poder popular, elas nunca foram concretizadas. De acordo com De Braganca, essa crise se traduziu sempre pela no coincidncia entre as intenes e a realidade.

No s Mazula e Bragana fizeram crticas. Na dcima - quarta sesso da ento Assembleia Popular da Repblica de Moambique, em Dezembro de 1985, a ex-ministra da Educao, Graa Machel, afirmava que cresce uma certa falta de confiana do povo para com o Governo, assente nas dificuldades enfrentadas. Ela props, entretanto, que o Governo prestasse contas Assembleia Popular. Esta sugesto seria de concretizao quase impossvel, porque, de 1977 a 1990, Moambique adoptou o regime de partido nico. Desta maneira, era difcil que os parlamentares fiscalizassem os governantes, pois, tanto o primeiro grupo, bem como o segundo, pertenciam ao mesmo poder poltico-partidrio institudo desde 1974.

No mesmo debate, segundo notas da famosa revista Tempo, os camaradas da Frelimo envolveram-se num levantamento de problemas que grassavam no pas, por um lado, e que, por outro, depreciavam a moral e disciplina do partido. O ex-ministro da Segurana e ex-deputado Srgio Vieira seguiu Graa Machel, referindo que, se as comisses da Assembleia Popular funcionassem, ocorreria a fiscalizao sobre o aparelho do Estado, questo ainda levantada por Samora Machel.

Na mesma altura, outra constatao feita por Alberto Chipande, ex-deputado e ex-ministro da Defesa, nos seguintes termos: existe o esprito de deixa-andar (termo esse ressuscitado e usado pelo actual presidente moambicano, Armando Guebuza) que se apoderou de vrios responsveis, que consiste no no funcionamento dos ministrios infiltrados de candogueiros (dilapidadores e preguiosos), enfraquecendo o trabalho poltico que a se desenvolve.
Chipande, referindo-se a orientaes do IV Congresso que no foram cumpridas, reconheceu, categrico: "ns conduzimos mal o processo".

Segunda mancha

Joaquim Chissano foi nomeado, pelo Comit Central da Frelimo, presidente da Repblica de Moambique, em novembro de 1986, depois do assassinato de Samora Machel, em Nbunzini, territrio sul-africano, a 19 de outubro de 1986, em circunstncias, at aqui, no esclarecidas pelas autoridades moambicanas.

Em 1987, Moambique introduziu o Programa de Reabilitao Econmica (PRE) e trs anos depois aprovou a Constituio de 1990. Esta advoga a chamada economia de mercado e iniciativa privada e alguns requisitos do dito Estado de Direito democrtico.

De 1987 at hoje, verificou-se que o governo da Frelimo permitiu, em grande medida, que uma minoria tivesse riqueza ostensiva e no criada na base de trabalho e honestidade, num momento em que os valores ticos e morais das elites polticas da Frelimo fracassaram e se tornaram um absurdo, em particular nas zonas urbanas.

Em 1990, um discurso crtico foi proferido por Mrio Machungo, ento primeiro-ministro, assinalando a grande onda de desvios de riqueza nacional para caprichos de nepotismo, privilgio e ostentao exagerada e grosseira da tal minoria, indicando as elites do partido Frelimo, a que ele pertence.

Certos grupos ou indivduos do meio poltico e econmico ostentam, nas grandes cidades, uma riqueza requintada, de Primeiro Mundo, inexplicvel na situao econmica do pas, frisou Machungo, citado pela revista Tempo, em 1990.

Essas denncias de Machungo desembocam no antagonismo entre o que o poder proclama para servir de normas sociais e o que grande parte dos indivduos ligados ao prprio faz. H uma grande distncia entre os verbos, substantivos e adjectivos proferidos em prol do progresso humano e a realidade vivida dentro do pas.

Em 2001, o ex-chefe de Estado moambicano, Joaquim Chissano, lanou a Estratgia Global da Reforma do Sector Pblico 2001-2011, em Maputo . Entre tantos enfoques governamentais, o documento trata da corrupo no sector pblico e em de outros actos corrosivos ao Estado.

Numa das agens, o discurso de Chissano diz: A grande corrupo desvia, em benefcio de poucos, os recursos que poderiam gerar riqueza e minimizar os efeitos da pobreza absoluta. Prejudica a imagem do pas e compromete a credibilidade do nosso Estado a nvel internacional. Toda e qualquer manifestao do fenmeno da corrupo deve ser combatida com igual vigor e combatida com indignao, intransigncia e intolerncia.

Todo este aparato de discursos presidenciais no foi seguido de exemplos. Com sinais a olho nu de desvios de fundos - pelos diversos altos quadros dirigentes do Estado, nomeados por ele -, Chissano, com o todo poder que as disposies jurdicas e normativas do Estado lhe conferiam, no foi capaz de sair da letra para a aco. Um exemplo flagrante, de 2004 - um episdio em que num pas normal deveriam ter ocorrido, no mnimo, medidas correctivas ou disciplinares, seno mesmo uma exonerao - o caso referente s bolsas de estudo alegadamente destinadas aos funcionrios do Ministrio da Educao, que foram desviadas para os familiares do ex-ministro da Educao e ex-membro da Comisso Poltica do partido Frelimo, Alcido Ngwenha.

O documento lanado por Chissano acrescenta: todo o esforo empreendido no sentido de transformar o sector pblico num instrumento efectivo de melhoria da qualidade de vida da populao, ser intil se no for atacado o fenmeno da corrupo com rigor e com todas as armas disponveis.

Uma outra srie de discursos est contida no Plano de Aco para a Reduo da Pobreza Absoluta (PARPA), 2001-2005. No tocante ao combate corrupo, nepotismo, subornos e outros males dessa raiz o documento apresenta intenes governamentais igualmente no cumpridas. O governo de Chissano prometeu, sem cumprir, no ltimo quinqunio, a barragem propagao da corrupo, sua reduo substancial e controle da conduta dos agentes das instituies pblicas... e sancionamento de actos de corrupo.

E, agora, Guebuza, que fazer?

11 horas e 15 minutos. 2 de Fevereiro de 2005. Maputo, Moambique. Armando Emlio Guebuza tomou posse como presidente da Repblica, depois de ele e o seu partido (Frelimo) terem ganhado eleies, presidenciais e legislativas. Do minuto 15 ao 16, jurava - diante do presidente do Conselho Constitucional, Ruy Baltazar, dos presentes e perante Moambique e comunidade a internacional respeitar a Constituio, dedicar as suas energias em prol do desenvolvimento de Moambique, de seus cidados, e respeitar os direitos humanos. Na cerimnia estavam presentes altas autoridades, o corpo diplomtico, chefes de Estados e de governo pelo mundo afora, alm de populares e membros e simpatizantes do partido no Poder.

Um ano depois de Guebuza assumir a chefia de Estado moambicano, tem combatido a corrupo apenas por meio de discursos. Renova o que os seus predecessores se habituaram a proferir para os moambicanos h trinta anos.

Por ocasio de sua investidura, Guebuza igualmente falou, entre tantas coisas, do burocratismo, do esprito de deixa-andar, do crime e da corrupo e das doenas endmicas, como grandes obstculos a serem transpostos, para que a marcha rumo ao desenvolvimento seja livre e desimpedida.

Estes discursos so os mesmos, desde Machel, ando por Chissano. Agora, quais tecnologias Guebuza (e seu governo) usar para transform-los em actos nos cinco anos do seu mandato, se em 30 anos os seus co-partidrios no conseguiram ar do discurso aco?


BIBLIOGRAFIA

CHISSANO, Joaquim. Discurso sobre a Estratgia Global da Reforma do Sector Pblico 2001-2011, Maputo. Imprensa Nacional,2001

MACHEL, Samora. A Luta Contra o Subdesenvolvimento. Partido Frelimo. 1983

MACHUNGO, Mrio. Revista Tempo, nr. 1009.1990:7

MAZULA, Brazo. Educao, Cultura e Ideologia em Moambique: 1975-1985. Maputo. Edies Afrontamento e Fundo Bibliogrfico de Lngua Portuguesa. 1995

10 ANOS DE PAZ. Brazo Mazula (coord.). Maputo. Imprensa Universitria. 2002

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Nota:

1 - Publiquei este texto pela primeira vez em fevereiro de 2005, no extinto jornal Embondeiro, quando por l prestei o meu micro saber jornalstico.

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