PODER ECONMICO NA MDIA q642k

Emir Sader* Um aspecto determinante no carter contraditrio da formao da opinio pblica brasileira est na natureza ao mesmo tempo pblica e privada da grande imprensa no nosso pas.

Esta tem um papel essencial, predominante, como espao principal na formao da opinio pblica.Porm, seus aspectos contraditrios marcam centralmente esse processo.

Seu carter pblico est dado porque a grande imprensa a principal via de socializao de informaes para leitores, ouvintes e telespectadores, ao mesmo tempo que lhes oferece um espao de discusso.No entanto, ao ser formado por empresas privadas , a busca do lucro inerente a este tipo de empresa contamina e, de certa forma, desvirtua a funo pblica da grande imprensa.A busca de publicidade, a de pblico ligado estreitamente primeira , alm de outros vnculos com o Estado, com os governos, com o empresariado, com fontes de financiamento etc.pesam, de forma direta ou indireta, no tipo de informao e de formao que a grande imprensa exerce.

No caso de tudo o que tem a ver com direitos , pesa no papel o que o mercado, isto , o poder econmico, ocupa no discurso e nas orientaes da imprensa.O mercado como se sabe no reconhece direitos.Estes, especialmente os que se referem grande massa da populao, se afirmam quando conseguem faz-lo mediante lutas populares, que terminam reconhecidas em leis e na ao do Estado para lev-las prtica e garanti-las.

O liberalismo econmico que avassalou nossas sociedades, levando de roldo consigo grande imprensa desatou uma guerra morte contra os direitos.

Seu princpio mais geral o da desregulamentao , isto , o da livre circulao do capital, mais alm das travas legais e de outra ordem que o limitem..Manual de Mdia e Direitos Humanos 66 Os direitos sociais foram suas vtimas privilegiadas.O diagnstico do liberalismo econmico faz das regulamentaes que, direta ou indiretamente, protegiam o mundo do trabalho, o vilo de um suposto atraso econmico, desqualificando como corporativas todas as reivindicaes protetoras dos trabalhadores, isto , da esmagadora maioria da populao. A grande imprensa foi duplamente protagonista desse processo como porta-voz de um discurso de violao dos direitos do trabalho e como beneficiria na sua qualidade de empresa.

O direito ao trabalho um tema especialmente ausente ou desfigurado na grande imprensa, como exemplo flagrante da natureza social do discurso da grande imprensa. Tudo isso ocorre a partir do fato de que a grande imprensa constituda por empresas privadas, que tm na lgica do lucro um mecanismo fundamental.Por essa razo que, como se diz, antes de serem vendidos para ns, os rgos de imprensa so vendidos para as agncias de publicidade.E o que interessa a estas no nem necessariamente a quantidade de leitores, ouvintes ou espectadores, mas essencialmente seu poder aquisitivo, j que se trata de vender-lhes mercadorias.

Assim, um rgo lhes faz chegar indicaes de quantos e em particular quem o pblico desses rgos:sua capacidade de compra, quantas vezes viaja ao exterior por ano, com que freqncia troca de carro, se toma bebidas importadas, etc. Um rgo de imprensa portanto feito tambm com os olhos postos nesse condicionante importante que a publicidade portanto, as grandes empresas, que centralmente anunciam e no tendo de forma direta e exclusiva como referncia a verdade , o leitor , o cidado ou o pas.Isto distorce o enfoque que os rgos de formas diversas e em graus diversos desenvolvem na abordagem tanto da informao, quanto do debate e das opinies que emite..67 Manual de Mdia e Direitos Humanos Por esse filtro, o pblico privilegiado que os rgos mais importantes costumam disputar no o das classes populares. Se a busca da maioria fosse o determinante central, o povo teria seus interesses disputados palmo a palmo pelos distintos rgos, candidatos a expressar um nmero cada vez maior de leitores, ouvintes ou telespectadores.Mas no esse o filtro social, que termina criando um crculo vicioso em que o pblico privilegiado o de classe mdia alta e de burguesia que, por sua vez, condicionam os rgos a dirigir seus enfoques nessa direo. Constitui-se, assim, um crculo de dilogo fechado nas esferas mais altas da sociedade, impermevel ao povo. Um exemplo corriqueiro mas que no costuma ser abordado e que serve como prova desse argumento o de que o partido que detm a maior parcela do eleitorado e que tem tido os resultados mais favorveis nos ltimos anos, assim como seu principal lder o PT e Lula , no tem nenhum grande rgo da imprensa a seu favor.

A hostilizao s candidaturas presidenciais de Lula tem tido nuances maiores ou menores conforme o rgo, mas como candidatura que representa basicamente um eleitorado popular, alheio quele crculo e em princpio rejeitado pelas grandes empresas que costumam anunciar na grande imprensa, alvo da desqualificao sistemtica da grande maioria dos colunistas e dos editoriais da quase totalidade dos rgos da grande mdia. Os espaos de informao por sua vez, como j foi mencionado anteriormente, no privilegiam o mundo do trabalho, embora este seja majoritrio na sociedade, com as editorias econmicas dirigindo-se diretamente ao mundo dos grandes empresrios e at mesmo em particular para o capital financeiro e especulativo, minoria irrisria na nossa sociedade.O povo costuma entrar mais pelo lado da coluna policial, como protagonista sujeito e/ou vtima de aes violentas, contribuindo para sua estigmatizao como classe perigosa , dado que seu cotidiano de trabalho, de vida diria como empregado, como desempregado, como pai e me de famlias, como vtima do.transporte, da crise habitacional, das aes da polcia, do pssimo atendimento das polticas sociais etc, tem um lugar marginal e ageiro na grande imprensa, embora seja o cotidiano da grande maioria dos brasileiros. O carter democrtico da imprensa se choca assim com o fato de ser protagonizado por empresas privadas.

Norberto Bobbio diz que quando se obteve o sufrgio universal, que todos j podem votar nas eleies gerais, preciso fazer a democracia penetrar em todos os rinces da sociedade, lutando-se pelo voto nos quartis, nas igrejas, nas fbricas, nas fazendas, na burocracia, nas redaes enfim, em todos os lugares onde se exercem atividades que envolvem os cidados.Essa contradio entre os interesses privados da grande empresa e sua funo pblica marca profundamente a grande imprensa e condiciona fortemente seu desempenho. *Emir Sader jornlista, escritor e coordenador geral do Laboratrio de Polticas Pblicas da UFRJ

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