Comentrio
ao Artigo 19 443t4r
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Em
todas as declaraes dos direitos humanos, h uma questo subjacente
pouco pensada e no resolvida: quem o responsvel pela observncia
e pela implementao dos direitos humanos? quais as mediaes
coletivas que garantem a vigncia dos direitos?
A
Revoluo sa entregou essa tarefa, fundamentalmente, classe
hegemnica, burguesia e s suas instituies. Efetivamente,
ela criou para si as condies poltico-sociais que realizam e
fazem valer os direitos proclamados, Os proletrios e 05 pobres
ficaram com o discurso, mas foram colocados margem ou at excludos
dos processos de participao do mundo de direito. Perde-se assim
a universalidade concreta, inerente aos direitos humanos.
A
declarao da ONU encarrega, fundamentalmente, o Estado como o
primeiro responsvel pela criao das condies infra-estruturais
da vigncia dos direitos para todos. Entretanto, numa sociedade
de classes, a natureza do Estado inevitavelmente classista.
Quer dizer que ele, em primeiro lugar, vai zelar pelos direitos
daqueles que lhe do sustentao e, em seguida, de forma derivada,
atende aos interesses das classes subalternas.
Novamente,
as mediaes no conseguem universalizar a realizao e a observncia
dos direitos humanos. As grandes maiorias, nos Estados de regime
politicamente liberal e economicamente capitalista, vem-se estruturalmente
violadas em seus direitos, porque se privilegia o capital sobre
o trabalho, a cidade sobre o campo, o saber escolar sobre o saber
popular.
A
revoluo socialista props-se a realizar 05 direitos a partir
das grandes maiorias oprimidas, mas confiou ao partido nico a
tarefa de organizar o Estado e implementar 05 direitos de todos.
Com isso, criou uma nova marginalidade de todas aquelas foras
(associaes civis, universidades, Igrejas, etc.) no englobadas
pelo partido. Garantiu para as maiorias os direitos infra-estruturais
econmicos, mas negou-lhes os direitos polticos de participar,
opinar e controlar o poder do Estado. Fez a revoluo da fome,
mas no a da liberdade.
A CONTRIBUIO
LATINO-AMERICANA PARA OS DIREITOS HUMANOS
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nesse contexto de crise do quadro institucional dos direitos humanos
que surge a contribuio singular da Amrica Latina: as prprias
maiorias que se sentem violadas assumem, mediante suas organizaes,
a cobrana da universalidade dos direitos e a sua defesa. Entendem
que a luta pelos direitos humanos uma luta poltica, quer dizes
uma luta que visa a transformar o tipo de sociedade que temos,
pois ela a principal violadora sistemtica dos direitos. Para
serem realmente universais, os direitos humanos devem comear
a ser realizados a partir das vtimas, daqueles que foram excludos
dos processos de direito. A vida o direito maior garantida
a todos quando se inicia sua promoo e defesa a partir dos forados
a morrer antes do tempo. Essa aparente parcializao condio
da universalizao dos direitos. O direito vida e justia
somente universal se comear por ser direito vida e justia
dos condenados da Terra. Se comear pelos beneficiados do sistema
social imperante (nas sociedades liberais, pelos burgueses e no
socialismo, pelos membros do partido), ento, sim, parcializamos
a questo dos direitos humanos, porque marginalizamos ou exclumos
os membros das classes subalternas.
Essa
recolocao do problema criou uma linguagem alternativa: ao invs
de se falar simplesmente em direitos humanos, comeou-se a falar
em direitos das maiorias empobrecidas e a partir dos oprimidos.
Esse deslocamento dos acentos permitiu perceber que h uma hierarquia
dentro dos direitos. Em primeiro lugar, o direito vida para
todos; em seguida, o direito aos meios da vida que so o direito
ao trabalho, sade, moradia e educao como aquele mnimo
de cultura que permite a comunicao entre todos os seres humanos;
a seguir, o direito liberdade de pensamento, de expresso, de
conscincia, de religio e de informao; por fim, os direitos
da natureza, do sistema-Terra, dos organismos vivos, enfim, da
vida em sua unicidade e pluralidade de manifestaes.
Essa
hierarquizao dos direitos desmascara os discursos dos sistemas
imperantes. Estes no podem comprometer-se seriamente com a defesa
dos direitos humanos sem negar-se como sistema imperante, sem
reconhecer que a forma como se organizam comporta uma violncia
aos direitos das grandes maiorias, negadas em direitos fundamentais
de participao social, em trabalho, sade, moradia e educao.
A
forma como as classes populares excludas garantem seus direitos
por elas mesmas mediante suas organizaes. Da nascem o Movimento
dos Sem-Terra, dos Sem-Teto, das Favelas, da Sade, da Educao,
dos Negros, da Mulher Marginalizada, dos Meninos e Meninas de
Rua e outros tantos. Se bem repararmos, tratase sempre de uma
luta organizada pelas prprias vtimas por direitos fundamentais
negados pela sociedade imperante.
No
contexto da contribuio latino-americana compreenso dos direitos
humanos, foi importante a reflexo dos cristos, especialmente
daqueles que se orientam pela Teologia da Libertao. Fizeram
a surpreendente constatao de que a concepo bblica dos direitos
humanos semelhante e em alguns pontos coincide com aquela elaborada
pelas classes populares. Os direitos bsicos, segundo a Bblia,
so aqueles dos pobres, dos peregrinos, dos rfos e das vivas.
Como estas pessoas no tm ningum que as defenda, Deus as toma
sob seus cuidados. Por isso, seus direitos so direitos de Deus.
Deus est to ligado vida e sorte dos que precisam dos meios
de vida que a fidelidade a Ele e o culto que Lhe devido am,
impreterivelmente, pela compaixo pela vida sofrida e pela solidariedade
com aqueles que lutam pela vida e por sua dignidade.
DIREITO
LIBERDADE DE OPINIO E EXPRESSO COMO DIREITOS DA
ESSNCIA HUMANA
A
moderna antropologia, vinda da biologia gentica, da teoria dos
sistemas abertos e da nova cosmologia, sustenta a hiptese de
que a singularidade do ser humano, sua essncia, reside em sua
capacidade de falar. A fala no apenas um meio de comunicao.
E a maneira como o ser humano pensa, ordena o mundo e constri
continuamente a realidade. pela fala que surgem a conscincia
e a inteligncia. a fala que d origem sociabilidade humana.
Os estudos de Humberto Maturana, Francisco Varela, Edgar Morin,
Elisabet Sahtouris e outros sobre esse fenmeno ganharam bastante
consenso na comunidade cientfica mundial.
Se
assim , importa dar especial relevncia ao que vem
dito no artigo 19 da Declarao Universal dos Direitos
Humanos: Todo homem tem direito liberdade de opinio
e expresso. Negar esse direito negar diretamente
a humanidade singular do ser humano como um ser de fala
e pela fala de criador de seu mundo. Da, o direito
vida deve ser interpretado como direito ao tipo de
vida singular do ser humano, que uma vida urdida de
fala e de comunicao.
No
sem razo que quando se instalam ditaduras e sistemas de forte
controle religioso a primeira medida tomada visa a silenciar as
pessoas e a tolher-lhes a palavra. Tal violncia as mata como
pessoas, embora as deixe fisicamente vivas. Da mesma forma, a
primeira manifestao de poder dos oprimidos quando recuperam
a fala e gritam seus direitos. A fala os institui como seres humanos
falantes. Dois notveis filsofos polticos, Karl Otto Apel e
Jrgen Habermas, colocam na tica do discurso e no agir comunicativo
a nova centralidade do pensamento e a nova radicalidade social.
pela fala e pela ao comunicativa que os seres humanos engendram
a sociedade, constrem seus consensos e mantm sob permanente
controle os mecanismos de gerenciamento e de poder.
Ocorre
que as grandes maiorias da humanidade so maiorias
silenciadas a quem se nega o direito de fala e de
expresso. Por isso, essa viso antropolgica exerce
uma permanente funo crtica em face das sociedades
dominantes que se organizam de tal forma que negam
permanentemente a humanidade de seus membros por lhes
tirarem a fala e a expresso. E ao mesmo tempo convocam
os silenciados para que assumam o poder da fala,
instaurem suas formas de expresso como busca de um
direito essencial, derivado da prpria natureza do ser
humano como um ser de fala e de expresso.
Muito
h a fazer para que esse direito ganhe cidadania nas conscincias
e nas formas de organizao social e comunitria do atual estgio
de evoluo poltica da humanidade. Mas sua aceitao abre um
campo novo de luta poltica e civilizatria para, ao garantir
a fala e a expresso a todos, construir e reconstruir permanentemente
a essncia humana.
Leonardo
Boff Telogo, escritor, professor de tica da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro e autor de vrios livros nas reas
de teologia, filosofia, antropologia e espiritualidade
A lei a mesma para todo
mundo, deve ser aplicada da mesma maneira para todos, sem distino.
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