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Refletindo
sobre a Terceira Idade
Silvia
Teresa Zacharias
Assistente
Social aposentada pela UFG e Assessora da Pr-Reitoria de
Assuntos da Comunidade Universitria UFG. Especialista em Poltica
Social pela UCG e em Metodologia do Servio Social pela UFG
A
longevidade sempre foi um anseio de todos os povos, de todos os
indivduos. Encontrar a fonte da eterna juventude. com o elixir
da longa vida, era o sonho de Ponce de Leon e de tantos outros
alquimistas, que viam nessa busca a concretizao. h tanto
acalentada, de permanecerem eternamente jovens...
A
imagem da velhice sempre foi estigmatizada, considerada como
algo ruim, de prognsticos sombrios e pessimistas, pois seu
destino s poderia ser a morte, o fim.
A
velhice assusta porque ela representa a negao de valores at
ento cultuados, como a beleza, a rigidez, produtividade. fora,
poder, valores esses considerados prprios da juventude.
No
entanto, se fizermos uma reviso histrica, vamos encontrar
figuras proeminentes j em idade avanada que se constituram
em faris de iluminao e sabedoria para as geraes
vindouras. Dentre as personalidades bblicas encontramos em Moiss,
um dos profetas encarregados de preparar seu povo para a vinda
do Messias. bem como Scrates na Grcia Antiga, cuja idias
revolucionaram o pensamento da poca, constituindo-se em
arcabouo para o advento do Cristianismo.
No
mbito das cincias. encontramos Einstein que, com sua teoria da
relatividade, modificou conceitos e foi o precursor de todo um
avano cientfico e tecnolgico da atualidade. Pasteur, tambm
foi um grande expoente nos estudos que culminaram com a descoberta
da penicilina. dentre outros.
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p class="MsoNormal">Grandes
estudiosos, nas diversas reas do conhecimento,
notabilizaram-se j com idades mais avanadas.
Na
rea da fraternidade e do exemplo cristo, tivemos Madre
Tereza de Calcut e, mais prximos a ns, Irm Dulce. embora
alquebradas fisicamente pelo tempo, eram portadoras de lucidez,
dinamismo, sabedoria e sobretudo amor, que se transformaram em
exemplos vivos de trabalho e dedicao s populaes mais
carentes.
A
qu esses exemplos nos remetem? Paremos um pouco para pensar.
Este
texto representa algumas reflexes, bem recentes sobre o tema,
muito mais calcadas em vivncias, embora influenciadas
diretamente pelos conhecimentos tericos adquiridos ao longo de
toda uma vida profissional e pela bibliografia especfica
consultada. Estas reflexes representam um encontro pessoal de
meus valores ticos e afetivos com essa nova realidade do
envelhecimento. Estando muito prxima da terceira idade,
procuro preparar-me para vivenci-la o mais sabiamente possvel.
Segundo
Goldman (2000:13), o termo terceira idade foi criado pelo
gerontologista francs Huet, cujo princpio cronolgico
coincide com a aposentadoria, na faixa dos 60 aos 65 anos, embora
as mudanas caractersticas j tenham comeado a tornar-se
evidentes mais cedo.
O
termo terceira idade surge para expressar novos padres de
comportamento de uma gerao que se aposenta e envelhece
ativamente.
Conversando
recentemente com um amigo, fiz referncias ansiedade que me
possua, diante da constatao de que o tempo estava curto para
tanta coisa que estava por fazer, a insatisfao de quem ainda no
conseguiu cumprir seu dever como pessoa, a necessidade de doar-se
para contribuir com a construo) de um mundo melhor, mais humano,
mais solidrio e sem excluso social. Aps me ouvir, ele, com
a ponderao que o caracteriza e dando mostras de tambm
estar preocupado com essas questes, falou-me: estamos na
fase da reflexo...
Essas
poucas palavras foram como um blsamo, acalmando
a minha inquietao e a luta entre o querer e
o poder. Ento, pude perceber que o processo
do envelhecimento biolgico, configurado no contexto
social e em componentes culturais e emocionais
nos remete forosamente reflexo acerca de nossas
condies materiais e espirituais de vida. E,
relacionando-as com a situao de nossos idosos,
refletimos em como poderemos usar de nossos conhecimentos
e vivncias, para melhor compreend-los e propormos
aes concretas para que no s eles, como todos
ns, possamos construir a cidadania plena.
Refletimos
tambm, que a qualidade desse envelhecimento) est diretamente
relacionada ao nvel de sabedoria com o qual ele vivenciado
pelos idosos e como essa sabedoria pode ser utilizada para
transformar os homens e a sociedade.
H
que se considerar que estamos vivendo numa sociedade capitalista
de contornos neoliberais, a qual se caracteriza pela decrescente
responsabilizao do Estado em relao melhoria da
qualidade de vida da populao; pela privatizao de empresas
estatais; a no interveno do Estado nos aspectos econmicos
que devem se desenvolver no livre jogo do mercado; alteraes
na esfera produtiva e a reduo de gasto pblico centrado na
diminuio de recursos destinados principalmente rea
social.
Esta
realidade se configura como uma resposta ao fenmeno
mundial da globalizao, cujos reflexos mais significativos
se verificam nos pases do terceiro mundo, como
O nosso caso.
Esse
mundo globalizado privilegia a tecnologia, o ter em detrimento do
ser, no acreditando que o saber se acumula com o ar dos
anos. com prioridade aos mais novos no lugar dos mais experientes
e vividos em anos, destinando queles a qualificao e capacitao
em novas tecnologias. Como este um mundo altamente competitivo,
gil, as decises tm que ser tomadas com base na astcia:
ganha aquele que for mais capaz e sobretudo mais empeno.
Som
dvida, vivemos em uma realidade altamente perversa, onde o saber
se degrada medida que a tecnologia avana, criando novas
possibilidades de conhecimento s quais os idosos no tem mais
o e nem condies para acompanhar. Conclui-se, sem muito
esforo que a nossa sociedade excludente e autoritria, em
que a modernidade fez do homem e, principalmente, do idoso, uma
pea descartvel no prprio sistema produtivo,
impossibilitando-o de desfrutar daquilo que produziu.
Essa
marginalizao do idoso decorrente de ideologias.
de preconceitos internalizados e expressos em
nossa sociedade e do conjunto de fatores sociais
e econmicos produzem sentimentos de revolta
e impotncia, relegando
os idosos a um plano secundrio na famlia e
na sociedade..
O
avano tecnolgico da cincia, as grandes descobertas no
sentido de debelar e prevenir doenas e os estudos pioneiros da
geriatria e gerontologia esto contribuindo para a maior
expectativa de vida, atravs da interveno no processo do
envelhecimento, O aumento dessa expectativa de vida, por um lado
possibilita ao idoso viver mais anos e com melhor qualidade. No
entanto, estio sujeitos s dificuldades de adaptao s condies
de vida atuais, acrescidas das dificuldades fsicas, psquicas,
culturais e sociais decorrentes do envelhecimento.
As
dificuldades fsicas so caracterizadas por algumas perdas nos
aspectos sensoriais, de viso e audio que hoje j podem ser
corrigidas e compensadas, bem como por algumas doenas, no
propriamente decorrentes da idade, mas em conseqncia de abusos
ou ausncia de preveno e hbitos mais saudveis durante
toda a vida.
Do
ponto de vista psicolgico agudizam-se as consequencias
dos traumas. mgoas, ausncia de afetividade vivenciados
desde a infncia. As reaes, as associaes e
o reconhecimento dessas situaes so mais lentas
no idoso, assim como a aprendizagem. No entanto,
no significam incompetncia. Os idosos necessitam
de um tempo um pouco maior para que possam ar
do raciocnio ao sentimento. A medida que se avana
em idade, a capacidade intelectual vai se tornando
mais seletiva, da se enfatizar que o idoso tem
que se manter ativo para continuar produzindo.
Os
valores culturais que idolatram o novo, o moderno, o jovem e
ridicularizam o antigo e o velho, so responsveis pelos
sentimentos de rejeio do idoso sua prpria imagem,
diminuindo e mesmo aniquilando a sua auto-estima.
Como
os idosos, por si s, no tm condies de superar as
dificuldades naturais do envelhecimento porque no foram
instrumentalizados para isso, eles se entregam e assomem esses
valores eivados de preconceitos como se fossem verdadeiros,
colocando-se, eles prprios, margem da sociedade que, por sua
vez, tambm os marginaliza.
Do
ponto de vista social, o nmero de idosos no Brasil vem
aumentando de forma acelerada, pois segundo dados do IBGE,
(Goldman. 2000), em 1980, os idosos correspondiam a 6.06% da
populao em geral; em 1990 j eram 7.06%, sendo que a
estimativa para 2000 de 8% e, para 2025. de 15%.
Diante
dessa realidade, pode-se considerar que a velhice um fenmeno
social, no estando o pas preparado para enfrent-lo
concretamente.
As
mudanas sociais verificadas nestes ltimos anos na estrutura
familiar tendem tambm a marginalizar o idoso, independente da
situao econmica e por motivos diferentes, fazendo com que
eles assumam sozinhos a sua velhice, afastando-os do convvio
familiar, com repercusses muito srias no aspecto afetivo.
Os
idosos mais pobres podem ser empecilho para a famlia por serem
considerados improdutivos, como podem ser a nica fonte de renda
familiar, atravs da aposentadoria ou penso que mal dar para
o seu prprio sustento, sendo explorado. financeiramente, ou
ento usados para tomarem conta dos netos. De uma certa forma
esto produzindo. mas eles no podem exercer outras atividades
que poderiam ser importantes para a conquista dos direitos inerentes
ao ser humano e elevao da auto-estima. Mesmo assim, eles no
so valorizados.
O
movimento social reivindicatrio de idosos e aposentados,
que foi mais efetivo em 1988, no processo de redemocratizao
do pais, com a promulgao da Constituio, atinge
seu ponto alto de conquista com a Lei n. 8842
de 4 de janeiro de 1994. que dispe sobre a Poltica
Nacional do Idoso. Os direitos sociais dos idosos
so garantidos por lei. regulamentada em 1996.
No entanto, entre o que prope a Lei e a realidade
vivenciada pelos idosos ainda existe uma enorme
distncia. As polticas so enunciadas como estratgias
governamentais em resposta presso dos movimentos,
das organizaes de defesa de direitos e pela
populao, no sentido da manuteno da sua hegemonia.
Acreditamos
que a organizao social e poltica da populao, em
movimentos que reivindicam incluso social, so oportunos e
imprescindveis, pois constituem-se no nico meio para se
resgatar os direitos e a dignidade de todos os segmentos excludos
da sociedade. Portanto, todas as aes destinadas aos idosos
devem ter o mesmo direcionamento.
A
cidadania no se instala, ela construda cm cada grupo, cada
movimento e em cada ao e atitudes individuais, e ela s
possvel, quando todos tiverem direitos e deveres iguais e em
iguais condies.
No
entanto, se, por um lado, a contemporaneidade
proporcionou inovaes e transformaes significativas,
ela produziu um mundo massificado. globalizado
e, por isso, despersonalizador. Observa-se que
nunca houve tanta solido, no s entre os idosos,
tantas doenas produzidas pela falta de afeto,
de contato humano fraterno e de solidariedade.
A
reivindicao de direitos sociais conquanto vlida, no
preenche aquele vazio, no resgata a identidade pessoal e
cultural que necessria para que se construa o ser. Ser feliz,
amar, ser amado, apaixonar-se por alguma causa, compreender, ser
compreendido so direitos inalienveis do ser humano.
Na
maioria das vezes, os grupos de convivncia e de organizao
social de idosos so procurados para suprir a solido em que
vivem. Conseguem o intento momentaneamente. Quando retomam para
suas casas, tudo volta a ser como antes.
Os
grupos devem ser capazes de estimular os idosos ao
auto-conhecimento, trabalhando com a sabedoria e a sensibilidade
de cada um. a fim de que possam se questionar sobre si mesmos,
para auto construrem-se conscientemente.
Paralelamente.
necessrio fazer com que os idosos percebam.
aceitem e aprendam a conviver com seus limites.
reciclem seus hbitos para criarem novos projetos
para suas vidas.
Conquista-se
direitos atravs de inmeras maneiras, mas 6 a sabedoria que
confere credibilidade e seriedade. fazendo com que os idosos
mostrem, atravs de suas atitudes cotidianas, na sua convivncia
familiar e social, a sua compreenso da vida eles precisam refletir
sobre suas vidas e extrair de suas experincias o combustvel
capaz de direcionar as aes, os novos projetos de vida, no
sentido de satisfazer as suas necessidades e com os quais possam
melhorar sua qualidade de vida.
importante resignificar o que cada tropeo, cada dificuldade,
cada ruga, cada cabelo branco e cada sentimento recorrente
trouxeram de experincia, de conhecimento e que pode ser
exercitado em cada uma de suas relaes. Quanto mais o idoso
depender de outros para solucionar problemas existenciais, mais
tem que arcar com as circunstncias e conseqncias dessa dependncia.
Tambm o autonomia conquistada com sabedoria.
A
velhice no pode ser vista como trmino, mas como
um recomear com caractersticas e valores prprios.
E uma nova forma de olhar o mundo.
A
prtica poltica e social reivindicatria se tornara mais
rica quando o idoso, consciente de seu potencial, dessa sabedoria,
se respeitar e se fizer respeitar. no pelo poder, pelo
autoritarismo, ou sujeito s de direitos, mas pelo
reconhecimento do seu valor intrnseco, como ser humano pleno.
Como
j nos referimos, s o exemplo dos idosos e o) nosso, sero
capazes de mostrar s novas geraes que os verdadeiros valores
so os decorrentes da afetividade bem direcionada e da sabedoria,
resgatando a solidariedade e o respeito queles que construram
o mundo.
Finalizando,
conclumos que todas aquelas personalidades a que nos referimos
no inicio deste texto foram capazes, pelo) amor de que se
fizeram portadoras, de construir grandes benefcios para a
humanidade, a despeito do quanto sofreram para alcanar a realizao
de seus projetos, que deram sentido s suas vidas, como um sinal
de sabedoria no vivenciar bem sua velhice.
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