5g5u2b
Caderno
Segurana Alimentar
Renato
S. Maluf (DA/UFRRJ, Brasil)
Francisco
Menezes (IBASE, Brasil)
Com
a colaborao de Susana Bleil Marques (Partes 1
1.
Um conceito em disputa e construo
O termo
"Segurana Alimentar" comeou a ser utilizado
aps o fim da Primeira Guerra Mundial. Com a traumtica
experincia da guerra, vivenciada sobretudo na Europa,
tornou-se claro que um pas poderia dominar o outro controlando
seu fornecimento de alimentos. A alimentao seria, assim,
uma arma poderosa, principalmente se aplicada por uma
potncia em um pas que no tivesse a capacidade de produzir
por conta prpria e suficientemente seus alimentos. Portanto,
esta questo adquiria um significado de segurana nacional
para cada pas, apontando para a necessidade de formao
de estoques "estratgicos" de alimentos e fortalecendo
a idia de que a soberania de um pas dependia de sua
capacidade de auto-suprimento de alimentos.
O entendimento
de que a questo alimentar est estritamente ligada
capacidade de produo manteve-se at a dcada de setenta.
Na Ia. Conferncia Mundial de Segurana Alimentar, promovida
pela FAO, em 1974, em um momento em que os estoques mundiais
de alimentos estavam bastante escassos, com quebras de
safra em importantes pases produtores, a idia de que
a Segurana Alimentar estava quase que exclusivamente
ligada e produo agrcola era dominante. Isto veio,
inclusive, a fortalecer o argumento da indstria qumica
na defesa da Revoluo Verde. Procurava-se convencer a
todos, de que o flagelo da fome e da desnutrio no mundo
desapareceria com o aumento significativo da produo
agrcola, o que estaria assegurado com o emprego macio
de insumos qumicos (fertilizantes e agrotxicos). A produo
mundial, ainda na dcada de setenta, se recuperou -embora
no da mesma forma como prometia a Revoluo Verde- e
nem por isto desapareceram os males da desnutrio e da
fome, que continuaram atingindo to gravemente parcela
importante da populao mundial.
neste contexto que comea a se perceber que, mais do que
a oferta, a capacidade de o aos alimentos por parte
dos povos em todo o planeta mostra-se como a questo crucial
para a Segurana Alimentar. Claro est que fatores ligados
capacidade de produo tambm podem ser causadores de
agudas crises de insegurana alimentar, como as situaes
de guerra e conseqente desestruturao da capacidade
de produo, como tem ocorrido em diversos pases da frica.
Ou a situao de bloqueio econmico, sofrida geralmente
por pases que se recusam a se submeter s polticas das
grandes potncias econmicas e militares. Ou em situaes
de catstrofes naturais, em que a agricultura e a distribuio
de alimentos nos pases atingidos , parcial ou totalmente,
destruda.
A
FAO (Organizao das Naes Unidas para a Agricultura
e a Alimentao) estima que, presentemente, um total
de 800 milhes de pessoas a fome, continuamente,
em todo o mundo. A maior parte dessas pessoas est localizada
nas partes mais pobres do planeta, em especial na frica,
alguns pases da sia e da Amrica Latina. Mas deve tambm
ser registrado o crescimento de bolses de misria e fome,
mesmo em pases desenvolvidos. Embora a fome e da desnutrio,
sejam as manifestaes mais cruis da situao de insegurana
alimentar, e a incapacidade de o aos alimentos a
sua principal causa, outros aspectos devem tambm ser
considerados, de maneira que se identifiquem as condies
necessrias para que prevaleam melhores condies alimentares,
seja nos planos locais e nacionais ou no plano global.
Um
primeiro ponto diz respeito qualidade dos alimentos
e sua sanidade. Ou seja, todos devem ter o a alimentos
de boa qualidade nutricional e que sejam isentos de componentes
qumicos que possam prejudicar a sade humana. Estes dois
elementos so da maior importncia em um contexto atual
que favorece o desbalanceamento nutricional das dietas
alimentares, bem como o envenenamento dos alimentos, em
nome de uma maior produtividade agrcola ou com a utilizao
de tecnologias cujos efeitos sobre a sade humana permanecem
desconhecidos.
Outro
ponto refere-se ao respeito aos hbitos e cultura alimentar.
Exige-se aqui que se considere a dimenso do patrimnio
cultural que est intrnseco nas preferncias alimentares
das comunidades locais e nas suas prticas de preparo
e consumo. Pretende-se compreender e defender esta herana,
que ada de pais para filhos e que possui uma lgica
associada s condies ambientais e sociais daquela comunidade,
bem como de sua prpria histria. No se quer dizer com
isto que todos os hbitos alimentares so sempre saudveis.
preciso haver um aprimoramento desses hbitos, quando
necessrio, mas sempre atento s caractersticas especficas
desses grupos sociais.
Um
terceiro ponto est na sustentabilidade do sistema alimentar.
A segurana alimentar depende no apenas da existncia
de um sistema que garanta, presentemente, a produo,
distribuio e consumo de alimentos em quantidade e qualidade
adequadas, mas que tambm no venha a comprometer a mesma
capacidade futura de produo, distribuio e consumo.
Cresce a importncia dessa condio frente aos atritos
produzidos por modelos alimentares
atuais, que colocam em risco a segurana alimentar
no futuro.
Dentro
da tica aqui definida, pode-se afirmar que a segurana
alimentar est regida por determinados princpios. O primeiro
deles que a segurana alimentar e a segurana nutricional
so como duas faces da mesma moeda, no podendo se garantir
uma delas sem que a outra tambm esteja garantida. O segundo
princpio est no fato de que somente ser assegurada
a segurana alimentar e nutricional atravs de uma participao
conjunta de governo e sociedade, sem que com isto se diluam
os papis especficos que cabe a cada parte. Por fim,
preciso que se considere o direito humano alimentao
como primordial, que antecede a qualquer outra situao,
de natureza poltica ou econmica, pois parte componente
do direito prpria vida.
A
questo alimentar mexe com interesses diversos e at contrrios,
o que faz com que a definio do significado da segurana
alimentar se transforme em um espao de disputa.
Alm do mais, no um conceito j estabelecido, mas em
construo. Visto sob estes dois aspectos fica clara a
importncia da elaborao de uma argumentao slida,
fundamentada nos princpios j enunciados e que se faz
a partir de um debate amplo e ao mesmo tempo consistente.
Dentro
dessa perspectiva prope-se uma concepo que busca ser
suficientemente abrangente para dar conta de todas as
preocupaes antes assinaladas e tambm intersetorial,
ou seja, em que cada categoria trabalhada esteja em direta
articulao com as demais, formando um conjunto que somente
adquire seu sentido pleno, quando compreendido de uma
forma integrada.
Segurana Alimentar e Nutricional a garantia do direito de todos ao
o a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente
e de modo permanente, com base em prticas alimentares
saudveis e respeitando as caractersticas culturais de
cada povo, manifestadas no ato de se alimentar. Esta condio
no pode comprometer o o a outras necessidades essenciais,
nem sequer o sistema alimentar futuro, devendo se realizar
em bases sustentveis. responsabilidade dos estados
nacionais assegurarem este direito e devem faz-lo em
obrigatria articulao com a sociedade civil, dentro
das formas possveis para exerc-lo.
2.
Segurana alimentar como direito alimentao
A
premissa de considerar o direito alimentao como primordial
requer, desde logo, sua incorporao ao debate hoje travado
em torno dos direitos econmicos, sociais e culturais,
mas e tambm promover atravs de iniciativas que exijam
dos estados nacionais e dos organismos multilaterais a
observncia desses direitos.
O
direito alimentao e proteo contra a fome h
muito tempo reconhecido em acordos internacionais (multilaterais
e regionais). O artigo 25 da Declarao Universal dos
Direitos Humanos das Naes Unidas estabelece claramente
a segurana alimentar entre os direitos humanos fundamentais.
Contudo, ainda no se dispe de mecanismos que o tornem
efetivo.
Uma
das propostas para a formalizao do direito alimentao
a de criar um cdigo de conduta para reger o comportamento
dos que esto implicados na realizao do direito alimentao,
cujo contedo legal e os compromissos dos Estados constariam
da conveno internacional relativa aos direitos econmicos,
sociais e culturais. Na mesma direo vai a proposta de
uma conveno global de segurana alimentar no mbito
das Naes Unidas que a coloque em alta prioridade nas
leis internacionais e a faa respeitada por todos os organismos,
particularmente a OMC, ao mesmo tempo apoiando os planos
nacionais de segurana alimentar. Trata-se, contudo, de
um processo longo e complexo de mobilizao de energia
poltica e de negociao
3.
Segurana Alimentar como eixo estratgico de desenvolvimento
As
estratgias de desenvolvimento centradas na segurana
alimentar aqui sugeridas contribuem na implementao do
direito alimentao antes referido. A proposio de
colocar a segurana alimentar como um eixo estratgico
de desenvolvimento, pressupe o reconhecimento de que
h uma questo alimentar nos processos de desenvolvimento
que se deve a trs fatores. Primeiro, estar adequadamente
alimentado constitui um direito humano bsico enquanto
condio vital da existncia. Segundo, o conjunto de atividades
ligadas produo, distribuio e consumo de alimentos
(o sistema alimentar) desempenha um papel central na configurao
econmica, social e cultural dos pases. Terceiro, as
questes ligadas aos alimentos e alimentao sempre
foram fonte de preocupaes e de mobilizaes sociais,
e objetos permanentes das polticas pblicas.
As
estratgias econmicas e as polticas pblicas derivadas
desta concepo diferenciam-se bastante dos enfoques convencionais
sobre a questo alimentar, ao sugerir uma perspectiva
que ultraa os limites tanto dos enfoques setoriais
(agrcolas ou nutricionais) como das aes simplesmente
suplementares ou compensatrias. Ao conceito de segurana
alimentar atribuido um estatuto analogo ao conferido
eqidade social e sustentabilidade, todos eles colocados
como objetivos nucleadores de politicas publicas.
Habitualmente,
a nfase posta na disponibilidade de renda como o determinante
principal do o adequado aos alimentos e, conseqentemente,
da segurana alimentar; sendo a disponibilidade de renda
uma expresso do grau de eqidade social. A capacidade
de adquirir alimentos, por sua vez, impactaria a produo
e o consumo. Nestes termos, o equacionamento da insuficincia
de renda (ou da pobreza) mediante, por exemplo, polticas
de emprego e de salrios permitiria o consumo dos alimentos
e estimularia a produo destes bens.
Este
enfoque capta um lado do problema, sem dvida essencial,
mas no todo ele. Isto porque a questo alimentar mantm
uma relao de mtua determinao com a eqidade social,
no sendo apenas uma resultante desta ltima. Assim, o
tratamento dos vrios aspectos envolvidos na questo alimentar
tambm contribui para uma maior eqidade social. A relao
entre ambas um reflexo e, ao mesmo tempo, contribui
para a configurao do padro de desenvolvimento scio-econmico
vigente numa sociedade. Assim, se o requisito de renda
monetria e o enfrentamento da pobreza contribuem para
a segurana alimentar, no menos verdade que as formas
sociais em que se organiza a produo dos alimentos e
as condies em que se d o o a estes bens so tambm
determinantes da eqidade social.
Para
alterar as referidas formas sociais e condies de o
preciso promover profunda reorientao nas estratgias
de desenvolvimento em vigr na maioria dos pases do Terceiro
Mundo, que esto em visvel contradio com os objetivos
da segurana alimentar e da eqidade social. Mesmo naqueles
pases onde h crescimento econmico, este tende a ter
um forte componente de excluso social. Associar crescimento
econmico com crescente eqidade social talvez seja o
principal desafio para a formulao de estratgias econmicas
que tenham em conta razes de justia social e de sustentabilidade
ambiental.
Esta
perspectiva tende a atribuir maior relevncia aos mercados
domsticos e produo de bens de consumo generalizado,
caso em que os alimentos e o sistema agroalimentar desempenhariam
um papel central e o objetivo da segurana alimentar adquiriria
seu significado pleno. O potencial para caminhar nesta
direo sem dvida maior para os pases onde a promoo
de crescente eqidade social e a conseqente incluso
dos atuais excludos resultariam, pela dimenso da sua
populao, num mercado interno com porte significativo.
Uma
importante conseqncia deste enfoque que as polticas
de segurana alimentar teriam como universo o conjunto
da populao, e no apenas os segmentos em situao de
pobreza extrema, e como campo de interveno os determinantes
das condies de o (trabalho e renda) e de produo
(estrutura produtiva, disponibilidade e preos) dos alimentos
bsicos.
4.
Pobreza e segurana alimentar
A pobreza
ocupa o lugar de determinante principal da insegurana
alimentar, isto , do no o regular a uma alimentao
adequada, dando origem aos fenmenos da fome e da desnutrio.
Assim, as polticas e programas de segurana alimentar
tm que ser capazes de apoiar estratgias de desenvolvimento
de mdio e longo prazo na direo indicada anteriormente,
ao mesmo tempo em que se implementam aes ou instrumentos
de transferncia de renda e de alimentos com natureza
suplementar ou emergencial para fazer frente s carncias
imediatas geradas pela pobreza. Outras fontes de insegurana
alimentar causadoras de situaes emergenciais so a ocorrncia
de guerras e conflitos armados e os embargos impostos
aos pases, e tambm nestes casos os segmentos mais pobres
so os mais fortemente afetados.
A
retomada das discusses sobre as desigualdades sociais
favorece o enfrentamento da problemtica alimentar sobretudo
em relao s carncias agudas. Porm, preciso evitar
que a questo alimentar fique inteiramente subordinada
ao tema da pobreza e seu tratamento reduzido disponibilidade
de renda monetria. O objetivo de uma vida saudvel sob
modelos sociais equitativos e sustentveis requer muito
mais do que dispr de renda para adquirir alimentos.
Os pases
do Terceiro Mundo apresentam um quadro mais ou menos generalizado
de i) concentrao de renda, ii) nveis crescentes de
pobreza urbana e iii) incidncia decrescente da pobreza
rural, ainda que o meio rural apresente os ndices mais
elevados. Estas tendncias manifestaram-se num ritmo mais
rpido na Amrica Latina, em relao ao que se verifica
na frica e na sia. A referida reduo no nmero absoluto
de pobres rurais se d em funo principalmente da migrao
rural-urbana. A fome, consequncia da pobreza, afeta,
desde logo, a populao rural onde se localizam cerca
de 3/4 do total de subnutridos do mundo, porm, o fenmeno
da urbanizao estende-a s cidades.
Os estilos
de desenvolvimento que emergem ps-ajuste estrutural tendem
a gerar mais desigualdades que os anteriores -ainda que
se possa verificar alguma reduo na pobreza relativa-
e ampliam a importncia das polticas sociais baseadas
em redes de segurana social com cobertura universal.
Mesmo nos pases (como os da Amrica Latina) que apresentaram
uma gradual melhora em indicadores como os de mortalidade
infantil e de desnutrio, a insegurana alimentar ainda
afeta a maioria dos pases e uma parcela significativa
de suas populaes.
O
consumo alimentar constitui-se num indicador fundamental
para a caracterizao da pobreza. Na maioria dos pases,
os gastos necessrios para uma famlia adquirir o que
se considera uma cesta bsica de alimentos so a principal
(em alguns lugares, a nica) referncia para determinar
o valor do salrio-mnimo e, quando existe, a linha oficial
de pobreza e de indigncia. A atualizao da noo de
cesta basica uma necessidade colocada em muitos paises.
Alm do que, indispensavel acrescentar renda monetaria
o o a bens e servios no-monetarios (saneamento
basico, alimentao escolar, etc.) que tambm determinam
a condio alimentar e o bem-estar da populao.
No espao
urbano, alm das iniciativas relativas s oportunidades
de trabalho e gerao de renda, as polticas e programas
de segurana alimentar envolvem um conjunto variado de
aes tanto no sentido de enfrentar carncias nutricionais
como no de assegurar a qualidade dos alimentos e de tornar
mais saudveis os hbitos alimentares.
A pobreza
rural, a fome nos campos e o xodo resultam, em grande
medida, da falncia da atividade produtiva rural de pequena
e mdia dimenso, com detaque produo agricola, ao
que se somam outros fatores. As rendas no-agricolas rurais
ou urbanas, que integram a reproduo das familias rurais,
podem dar importante contribuio para os que dispem
de recursos para desenvolv-las (turismo rural, artesanato,
trabalho qualificado, etc.), porm, frequentemente, elas
se constituem em fonte precaria de recursos alternativos
(ocupaes de baixa remunerao). Acrescente-se a questo
das expectativas futuras dos jovens filhos dos agricultores,
elemento chave para qualquer estratgia voltada s familias
rurais. As transferncias de renda pela extenso de direitos
sociais ao campo (previdncia rural) tm grande potencial
de retirar da pobreza as famlias rurais afetadas pelo
xodo dos mais jovens.
Por ltimo,
sugere-se adotar um enfoque espacial que valorize as dinmicas
dos territrios, de modo a evidenciar a interao entre o urbano e o rural presente
em muitos casos, e as redes sociais essencias reproduo
das familias neles localizadas.
5.
Produo de alimentos e eqidade social
A
nfase conferida s condies de o aos alimentos
pelas famlias como condicionante para a segurana alimentar
no significa dar como equacionada a questo da produo
agroalimentar, principalmente quando se vai alm da mera
oferta ou disponibilidade de alimentos para considerar
os aspectos sociais, econmicos, espaciais e ambientais
da produo e do abastecimento alimentar. Alm do que,
ambos os aspectos -o e disponibilidade- esto presentes,
conjuntamente, quando se trata da agricultura realizada
em bases familiares (agricultores familiares ou como camponeses)
ou comunitrias (indgenas e outras), e dos pequenos empreendimentos
urbanos fornecedores de alimentos.
A
reviso das atuais estratgias de desenvolvimento na direo
aqui sugerida resultaria no fortalecimento dos mercados
domsticos e da produo de bens de consumo massivo, onde
est includo o sistema agroalimentar. Mais do que isto,
os estimulos provenientes do mercado interno so em parte
oriundos da prpria capacidade de gerao de emprego no
conjunto das atividades de produo e distribuio dos
alimentos. Nestes termos, o sistema agroalimentar pode
se tornar econmica e estratgicamente importante e, portanto,
uma prioridade das polticas pblicas.
O
fato das atividades agroalimentares concentrarem parte
significativa da atividade econmica e da populao ativa
na maioria dos paises quer dizer que tambm grande a
contribuio das referidas atividades s caractersticas
perversas de suas sociedades. Como exemplo pode-se mencionar
a concentrao da propriedade da terra e a extenso da
misria rural, as precrias condies vigentes nos pequenos
e mdios emprendimentos comerciais e industriais urbanos,
os salrios mdios relativamente mais baixos da indstria
alimentar, e os impactos ambientais do padro tecnolgico
predominante.
A
superao de tais caractersticas e a busca de maior eficincia
e qualidade sob padres no socialmente excludentes tornam-se,
ento, elementos cruciais. Nesta direo atuariam os programas
de reforma agrria e de fortalecimento da agricultura
familiar e das comunidades indgenas, a regularizao
das relaes de trabalho no campo e a previdncia social
rural, a reviso do pacote tecnolgico, as alternativas
de agroindustrializao de pequena e mdia escala, o aprimoramento
do pequeno varejo, etc.
As
condies em que se d o o aos alimentos pela populao
tambm determinada pelas formas sociais sob as quais
os alimentos so produzidos e ofertados -tipo de explorao
agrcola, grau de concentrao econmica do processamento
agroindustrial e da distribuio comercial, padres de
concorrncia nos mercados de alimentos, etc. Trs aspectos
devem ser destacados a respeito. O primeiro refere-se
ao crescente controle exercido pelas grandes corporaes
agroindustriais e comerciais nos mercados de matrias-primas
e de produtos finais, e a articulao estreita entre as
etapas produtivas, de distribuio e de consumo dos alimentos.
Os padres de consumo (em certa medida impostos) orientam
cada vez mais a produo desses bens, inclusive na etapa
agrcola. Estas caractersticas limitam, mas no impedem,
a implementao de estratgias alternativas para assegurar
a possibilidade de escolha pelos consumidores, e
a reproduo em condies dignas de um amplo conjunto
de pequenos e mdios empreendimentos rurais e urbanos.
Os
processos de segmentao dos mercados de alimentos e de
diferenciao de produtos criam novas possibilidades como
por exemplo os produtos artesanais, os produtos orgnicos
ou agro-ecolgicos e os produtos com denominao de origem.
O
segundo aspecto diz respeito ao principal pressuposto
da segurana alimentar, a saber, dispr de poder de compra
para adquirir alimentos em quantidade e qualidade adequadas,
porm, de um modo que reduza o peso relativo dos gastos
com alimentao na renda familiar. Este objetivo depende
dos instrumentos que promovem a elevao da renda monetria
e sua distribuio equnime (emprego-trabalho, salrios
e outras rendas do trabalho, e tributos). Contudo, ele
depende tambm do custo relativo dos alimentos pois este
ltimo um dos principais determinantes da renda real
das famlias, principalmente, dos estratos de menor renda.
Iniciativas para reduzir os custos da alimentao incluem
o aumento da produtividade agrcola com base em tcnicas
social e ambientalmente adequadas, a reduo do elevado
nvel de perdas, o enfrentamento de gargalos na infra-estrutura
de transporte e armazenamento, e a aproximao de produtores
e consumidores em mercados regionais.
O
terceiro aspecto refere-se tenso, comumente encontrada
entre os objetivos de assegurar uma renda mnima aos pequenos
produtores rurais e o de preservar o poder de compra dos
consumidores. Ela se manifesta de forma mais dramtica
nos pequenos pases de baixa renda com mercado interno
reduzido. A combinao de instrumentos
de proteo da produo interna e de subveno de preos
e crdito, somados a acordos preferenciais que permitiam
destinar parte da produo aos pases industrializados,
foi sendo gradativamente abandonada pelo custo fiscal
do protecionismo, pela disponibilidade de alimentos importados
baratos (via ajuda alimentar e liberalizao comercial
unilateral), e pela reviso dos acordos preferenciais.
Nos
pases em que a populao rural constitui a maior parcela
da populao, os instrumentos de proteo da produo
agroalimentar local adquirem maior importncia. Os recursos
disponveis podem dirigir-se tanto aos produtos essenciais
de mercado interno como aos de exportao, segundo sejam
as melhores possibilidades de gerao de renda aos agricultores
e o abastecimento do mercado interno. Em todos os casos,
colocam-se como ferramentas essenciais o associativismo
entre produtores e sua capacitao para agregar valor
aos seus produtos, a reduo da intermediao mercantil
e o estabelecimento de bases mais equnimes de negociao
entre ambos agentes; mas o enfrentamento do mercado pode,
em alguns casos, colidir com a conservao de valores
das sociedades rurais como ocorre na frica.
A
equao africana ps-independncia (esforos em culturas
rentveis, populao rural auto-suficiente, modernizao
da produo de vveres e alimentao das cidades a baixo
custo via importao ou ajuda externa) viu-se comprometida
a partir dos anos 70, gerando fome, migrao e xodo rural.
A auto-suficincia foi, ento, incorporada como objetivo
perseguido oficialmente pelos Estados, mesmo que tenham
recorrido amplamente ajuda alimentar. Os investimentos
naquela direo nem sempre foram bem sucedidos, como foi
o caso dos projetos de arroz irrigado em alguns pases
cujo custo impediu-o de competir com o produto importado.
A histria posterior comum s demais regies do mundo,
com a progressiva retrao do Estado, a abertura comercial
e os impactos do ajuste estrutural, ao que se acrescenta
a situao atual de forte dependncia de ajuda alimentar.
As vrias propostas atuais para este continente apontam
para estratgias assentadas na proteo do mercado interno,
na combinao da produo de vveres com culturas de exportao
e na profissionalizao dos agricultores.
A
referncia ao continente africano facilita introduzir
a questo de gnero presente na segurana alimentar, que
se manifesta no papel central desempenhado pelas mulheres
na obteno, na preparao e na partio dos alimentos
entre os membros da famlia. O papel das mulheres como
produtoras especialmente grande na frica, pois chegam
a produzir 50-60% dos alimentos em muitos pases. Na condio
de produtoras, s mulheres deve ser assegurado o
igual aos recursos produtivos (terra, crdito, assistncia
tcnica, etc.).
As
aes pblicas de abastecimento podem contribuir de vrios
modos para promover a produo e a distribuio dos alimentos
sob formas sociais mais equitativas. Ao apoiar pequenos
e mdios empreendimentos rurais e urbanos dedicados ao
cultivo, transformao e comercializao de produtos agroalimentares
amplia-se, ao mesmo tempo, a disponibilidade de alimentos
de qualidade de um modo menos custoso, valorizando a diversidade
nos hbitos de cultivo e de consumo. Uma segunda contribuio
das aes de abastecimento relaciona-se com o o aos
alimentos por todos os segmentos da populao, em condies
apropriadas em termos da quantidade, preo e qualidade
dos alimentos, e da composio da cesta de consumo. Enquadram-se,
aqui, as aes nas esferas da intermediao mercantil
e do comrcio de varejo, no consumo de alimentos preparados
(refeies prontas e outras formas), na organizao de
compras comunitrias e na promoo de programas de distribuio
de alimentos.
A
conexo entre o abastecimento e a produo agroalimentar
reflete tambm uma estratgia de juntar as duas pontas,
quais sejam, os produtores agrcolas e os consumidores,
porm, evitando-se o risco de que produtores agrcolas
venham a se tornar comerciantes. Naturalmente coloca-se
a questo de como a intermediao comercial, mesmo reduzida,
desempenha o seu papel e quais instrumentos regulatrios
devem estar disponveis para permitem evitar que os interesses
comerciais se sobreponham aos de produtores e consumidores.
O funcionamento do mercado de produtos agroalimentares
deve ser objeto de regulao pblica, enquanto que o poder
pblico deve investir no fortalecimento dos pequenos e
mdios empreendimentos com vistas a promover um modelo
de desenvolvimento socialmente justo. Chama a ateno
o papel dos servios de abastecimento como geradores de
ocupao a um nmero considervel de pessoas.
Uma
referncia especial deve ser feita proposta de estimular
o desenvolvimento dos circuitos regionais de produo,
distribuio e consumo de alimentos. Estes circuitos formam-se
no mbito das regies no interior dos pases ou no entorno
dos ncleos urbanos de mdia dimenso, sendo constitudos
da agricultura de base familiar, de pequenas empresas
cooperativas ou privadas de beneficiamento e de processamento
de matrias-primas agrcolas, e de empreendimentos urbanos
industriais e comerciais tambm de pequeno porte ligados
transformao, distribuio e consumo de produtos alimentares.
Os bens tpicos dos circuitos regionais so expresses
de diversidade pois so produtos tradicionais de uma regio,
refletem hbitos de consumo peculiares e guardam relao
com uma dada base de recursos naturais.
Criar
condies favorveis consolidao de tais circuitos
envolve, entre outras iniciativas, aquelas voltadas
melhorar a qualidade e aumentar o valor agregado dos
produtos oriundos da agricultura de base familiar, e
capacitao dos agentes produtivos e comerciais. Esta
uma forma de, simultaneamente, a) promover atividades
econmicas em bases equitativas e sustentveis, b) ampliar
a oferta de alimentos de um modo que expressa a diversidade
de hbitos de consumo e c) induzir a concorrncia em mercados
controlados por grandes corporaes agroalimentares.
As
aes no sentido de promover e fortalecer o processamento
de alimentos em unidades de tipo artesanal (pequenas agroindstrias
e indstrias caseiras) e o comrcio varejista de alimentos
de pequena escala devem basear-se no requisito de qualidade
dos produtos (e regularidade da produo), j que no
se est sugerindo a preservao de um comrcio local ou
regional marginal (ou ilegal) com produtos de baixa qualidade.
Ao contrrio, pretende-se superar a perversidade contida
nos modelos excludentes em que um nmero expressivo de
produtores e fornecedores em condies precrias ofertam
alimentos com pouca qualidade a um contingente tambm
expressivo de consumidores de baixa renda. O desafio consiste
em ter uma ao pblica que, em lugar da mera punio,
promova a agem de pequenos produtores e fornecedores
ao mercado formal, em paralelo educao alimentar e
defesa dos direitos do consumidor. Na verdade, aqui
se localizam algumas das principais demandas e possibilidades
de aes pblicas locais e regionais voltadas oferta
e ao consumo de alimentos com segurana alimentar.
6.
Segurana alimentar, agricultura familiar e desenvolvimento
local
A
atividade agrcola continua sendo a mais importante fonte
de renda (e de alimentos) para a maioria das unidades
familiares rurais. Uma caracterstica importante das iniciativas
que promovem a produo agroalimentar a de que elas possibilitam enfrentar, em simultneo, tanto a necessidade
de criar oportunidades de trabalho e de apropriao de
renda a essas famlias, como a de ampliar e melhorar a
oferta de alimentos em mbito regional e nacional.
Generaliza-se,
hoje, a perspectiva de agregar valor aos produtos oriundos
da agricultura realizada em bases familiares, atravs
do processamento agroindustrial e da incorporao de servios
a esses bens com base em empreendimentos de pequena e
mdia escalas. Amplia-se, tambm, a adoo de marcas ou
de selos de qualidade com vrios apelos (produtos coloniais,
"da roa", da agricultura orgnica ou agroecolgios,
etc.).
As
questes de mercado despontam, em geral, como o principal
determinante das possibilidades de xito dos programas
de apoio produo agroalimentar, ao lado do o ao
crdito em condies adequadas.
Destaque
especial deve ser dado ao chamado mercado institucional
que engloba as compras governamentais de alimentos para
serem utilizados em programas e organismos pblicos (alimentao
escolar, hospitais, presdios, distribuio de cestas
bsicas, etc.). Alguns deles, como a alimentao escolar,
tm papel central no o aos alimentos por uma parcela
vulnervel e numericamente expressiva da populao. Em
pases onde as compras governamentais so significativas
e conta-se com uma gesto transparente, a participao
de pequenos e mdios fornecedores -notadamente, as associaes
de pequenos produtores agrcolas- nos programas pblicos
de alimentao, dos quais sempre estiveram excludos,
pode constituir-se em importante instrumento de alavancagem
para estes produtores.
O
associativismo, em suas distintas formas, cumpre um papel
vital nos projetos envolvendo pequenos e mdios produtores.
A experincia demonstra que o grau de associativismo
fortalecido pelos laos comunitrios entre os participantes
e pela valorizao das redes de economia solidria, sobretudo
na gesto do crdito e na comercializao da produo.
Estes elementos permitem tambm amenizar os impactos das
interrupes de programas em funo da renovao dos mandatos
na istrao pblica.
Cabe mencionar,
ainda, que abordar a produo mercantil no implica desconsiderar
o papel que cumpre a produo para auto-consumo como componente
da reproduo das famlias rurais e, portanto, da sua
segurana alimentar. Tida como sinnimo de atraso pelos
adeptos da modernizao fundada na especializao produtiva,
a presena da produo para auto-consumo sempre constituiu-se
num importante instrumento de proteo frente s incertezas
e oscilaes da produo mercantil. A inexistncia de
condies de produo para auto-consumo pela carncia
de recursos (gua, rea til, etc.), ou a perda destas
condies devida a opes como a da especializao produtiva,
so causas de insuficincia alimentar que se somam aos
indicadores de pobreza rural medidos em termos da renda
monetria.
Em
muitos pases tem sido registrada uma direta correlao
entre o o terra e aos alimentos no meio rural.
Ou seja, aonde se realizou um processo de reforma agrria
e esta se manteve com razovel grau de consolidao, a
situao alimentar e nutricional dessas populaes mostra-se
adequada. Em sentido inverso, aonde permanece a terra
concentrada e com contingentes elevados de trabalhadores
rurais e suas famlias sem terra, grave a situao de
insegurana alimentar. Acrescente-se que o retrocesso
ou a reverso dos programas de redistribuio de terras
na maioria dos pases onde eles foram implementados em
dcadas adas vem causando impactos sociais negativos
maiores do que a penria a que haviam sido relegados os
beneficirios destes programas.
O
Brasil o exemplo mais vivo desse ltimo caso, no tendo
ainda realizado uma ampla reforma agrria, como requer
sua situao fundiria. A determinao de uma situao
de insegurana alimentar est diretamente relacionada
com essa situao de conflito e excluso no campo. Do
enorme contingente de 30 milhes de pessoas que am
fome neste pas, metade est na rea rural, embora apenas
21% de sua populao total viva no campo. Estudos recentes
tm revelado que em assentamentos de reforma agrria no
Brasil, que j possuem razovel grau de consolidao,
o estado nutricional encontrado chega a ser superior quele
disfrutado pela agricultura familiar convencional. Em
contraposio, nos acampamentos de sem-terra em reas
ocupadas, que ainda no foram reconhecidas e, portanto,
no se encontram em condies de produzir, o quadro de
desnutrio gravissimo.
A
reforma agrria propicia quatro favorveis impactos sobre
a segurana alimentar:
a)
uma importante poltica de gerao de trabalho
e renda, aumentando a possibilidade de o aos alimentos
que so adquiridos para consumo;
b)
Cria as condies para que as famlias possam produzir
os prprios alimentos que vo consumir;
c)
Fortalece a chamada segurana alimentar local
atravs da garantia de produo de alimentos para as reas
prximas,
d)
As opes produtivas usualmente adotadas pela agricultura
reformada tendem ao cultivo de alimentos bsicos integrantes
da tradio dos agricultores.
Diante
dessas evidncias pode-se afirmar que a reforma agrria,
em pases aonde ainda no foi realizada ou precisa ser
retomada, pode ser um meio fundamental para a reduo
da insegurana alimentar.
Dedicar-se
produo de alimentos para o mercado interno e, mesmo,
para exportao, no se constitui na nica e obrigatria
alternativa visando promover a segurana alimentar das
famlias no meio rural. Esta pode ser obtida atravs da
explorao de produtos no-alimentares, de atividades
rurais no-agrcolas e de ocupaes urbanas, todas com
o objetivo de assegurar trabalho e renda s famlias rurais
que so, no mais das vezes, pluriativas.
A
oferta de bens privados, por sua vez, no a nica relao
mantida pelos agricultores com a sociedade, pois esta
abrange um conjunto de outras funes caracterizadas como
bens pblicos tais como a preservao da paisagem, a diversidade
agrobiolgica, a herana cultural e a prpria segurana
alimentar. Para contemplar as mltiplas funes a serem
preenchidas pela agricultura -a multifuncionalidade da
agricultura- preciso estabelecer um novo pacto entre
os agricultores e a sociedade que espera respostas dos
primeiros sobre o territrio, a qualidade e a tica. Este
ltimo ponto to mais importante quando se considera
que nem toda a agricultura multifuncional, j que h
a agricultura especializada que, alis, constitui-se na
principal beneficiria das polticas de subveno pblica.
A multifuncionalidade uma noo que abrange todos os
aspectos e servios no-comerciais associados a uma agricultura
de fato capacitada (self-reliant)
e sustentvel. Como se ver adiante
a utilizao desta noo como instrumento de polticas
pblicas tem provocado repercusses nas negociaes comerciais
internacionais.
Ressalte-se,
ainda, o papel ativo que pode (e deve) ser exercido pelas
istrao pblica no nvel local desencadeando processos,
em lugar de apenas responder s solicitaes de agentes
econmicos, grupos sociais ou cidados individuais. Esse
papel ser mais relevante quando as istraes melhor
assumirem sua condio de
agentes promotores de desenvolvimento no mbito
local ou regional, tendo a segurana alimentar como um
dos eixos estratgicos de interveno.
7.
Contexto internacional da segurana alimentar
A
relao entre segurana alimentar e as estratgias e polticas
de desenvolvimento envolve aspectos que se encontram sob
impacto da nova ordem internacional.
Trs
elementos se destacam neste contexto. O primeiro refere-se
aos novos mecanismos de regulao do comrcio agroalimentar
mundial, marcados at agora pela incerteza acerca dos
rumos da liberalizao comercial e do protecionismo no
mbito da OMC. Um dos elementos de controvrsia refere-se
considerao da segurana alimentar (no sentido de food
security) como um tema comercial ou no comercial.
Em paralelo, amplia-se a importncia da regulamentao
voltada segurana dos alimentos (food safety), cujas repercusses vo at a esfera da produo rural.
O
segundo elemento a constituio de blocos econmicos
regionais que apresentam distintos graus de integrao
e tambm diferentes possibilidades em termos da adoo
de estratgias de desenvolvimento e de segurana alimentar.
As iniciativas no mbito do Terceiro Mundo, at o momento,
revelam que a condio de bloco perifrico coloca limites formulao
e adoo de polticas supra-nacionais soberanas acordadas
entre seus membros. O Mercosul, por exemplo, integrado
por um pas (Brasil) com elevada desigualdade social e
expressivo contingente populacional com o irregular
ou insuficiente aos alimentos, num bloco que se destaca
como grande exportador de produtos agroalimentares.
O
terceiro elemento diz respeito s tendncias do sistema
agroalimentar crescentemente internacionalizado, que se
caracterizam pela coexistncia de processos de padronizao
e de diferenciao na produo e no consumo de alimentos.
Assim, de um lado, temos os processos bastante conhecidos
de concentrao da produo agroalimentar (e da propriedade
da terra) que ameaam as agriculturas de base familiar e
camponesa, mesmo em regies e cadeias produtivas onde ela
tem presena tradicional. Por outro lado, assiste-se criao
simultnea de novas oportunidades de mercado, muitas delas
veis ao pequenos agricultores que ainda tm nos alimentos
uma importante fonte de renda.
A
mera exposio competio internacional no o caminho
para a busca de maior eficincia produtiva, devido aos
componentes esprios desta competio e a natureza intrinsecamente
excludente da dinmica das economias capitalistas.
Vale mencionar a permanncia da prtica de dumping
por parte dos pases industrializados, mesmo que sob formas
legitimadas pelas regras atuais de comrcio. O fato dos
preos praticados nos mercados internos, e no os custos
de produo, serem a referncia para caracterizar a prtica
de dumping (exportao
a preos inferiores aos praticados no mercado interno)
acaba por facilitar esta prtica. As subvenes destinadas
aos agricultores com o sentido de assegurar que eles recebam
um preo superior aos preos internos (como no caso europeu)
possibilitam, quando os preos internos so menores ou
iguais aos internacionais,
que a exportao se faa a um preo abaixo do custo
expresso nos preos recebidos pelos agricultores, mas
nos nveis praticados no mercado interno, sem que se caracterize
dumping.
O
enfoque baseado na autocapacidade alimentar, abordado
adiante, tambm valoriza implicitamente a opo de submeter
os sistemas produtivos nacionais a presses competitivas
como elemento indutor de eficincia (s vezes chamada
de modernizao). Porm, fcil constatar que parcela
importante da agricultura de base familiar pode ser vtima
da maior eficincia e capitalizao, no que se poderia
denominar de armadilha da modernizao.
A
principal concluso desta breve abordagem do contexto
internacional que, mesmo que se ita um maior grau
de abertura externa dos pases por razes que extrapolam
a dimenso meramente econmica, sustenta-se que os objetivos
e polticas de desenvolvimento -entre os quais se insere
o da segurana alimentar- devem prevalecer sobre os objetivos
e polticas estritamente comerciais, e orientar os esforos
de regulamentao do comrcio internacional. Ao considerar
a ordem internacional inevitvel incorporar questes
de soberania noo de segurana alimentar, valendo-se
do princpio da soberania alimentar que se fundamenta
no carter essencial e politicamente sensvel dos alimentos
e nos aspectos culturais associados a estes bens. Tomando
a definio proposta na Declarao de Yaound (1996),
a soberania alimentar dos povos se exprime na capacidade
dos Estados e das pessoas de:
-
produzir os alimentos necessrios populao em todas
as regies do mundo, de modo a reduzir a dependncia ligada
ajuda alimentar;
-
controlar, conservar e utilizar seus recursos genticos
e seus conhecimentos prprios;
-
garantir a disponibilidade e o o de todos a uma alimentao
sadia, diversificada e que respeite a diversidade das
culturas e hbitos alimentares;
-
tomar decises de modo autnomo concernentes a suas polticas
agroalimentares
A
busca de algum grau de auto-suficincia na produo de
alimentos bsicos constitui-se num princpio ainda vlido
de soberania alimentar a ser adaptado ao ambiente atual
de maior abertura econmica.
As iniciativas
de integrao econmica regional que explorem as complementariedades
e regulem os conflitos entre os pases-membros podem contribuir
nesta direo desde que elas no se limitem a simplesmente
reproduzir as demandas por liberalizao comercial. Mesmo
a importao de alimentos, em algumas circunstncias,
serve como instrumento auxiliar na regulao dos mercados.
Argumentos
de (in)eficincia so a justificativa bsica para desqualificar
questes como as que so aqui levantadas sob o rtulo
da soberania e da segurana alimentares, em favor de uma
estratgia de insero internacional com benefcios incertos
e s a pequena parcela da populao. A efetivao
do direito alimentao tem, entre seus componentes,
o exerccio soberano de polticas de segurana alimentar
que se sobrepem aos supostos princpios de boa economia
ou lgica mercantil estrita.
Com
relao ajuda alimentar destinada aos paises mais pobres,
sabe-se que ela serviu de instrumento comercial para os
paises donantes, e que gera impactos significativos sobre
os sistemas agroalimentares nacionais dos paises que a
recebem, especialmente sobre os pequenos produtores. O
recurso de alguns Estados ajuda alimentar como forma
menos custosa de prover alimentos sua populao prejudica
os esforos dos agricultores de satisfazerem as necessidades
de vveres de uma populao crescente, que se v agravada
pela repercusso sobre os preos internos quando ocorre
a venda dos produtos recebidos ttulo de ajuda alimentar.
Nota-se, tambm, o isolamento da ajuda alimentar das demais
aes de integrao, quando os beneficirios daquela ajuda
integram os mais desprovidos.
As
propostas atuais caminham no sentido de constituir um
sistema de ajuda alimentar que incorpore uma concepo
de cidadania dos seus beneficiarios e que contribua
autonomia destes paises no mdio prazo. Menciona-se, por
exemplo, os programas nos quais os recursos so destinados
a construir infraestrutura, adquirindo-se cereais em regies
proximas com excedente para a formao de estoques geridos
pela comunidade que seria treinada para recomp-los e
para comercializar sua propria produo. Referncia especial
deve ser feita renovao em curso da Conveo de Lom
-maior programa de ajuda alimentar do mundo, entre a Unio
Europia e pases da Africa, Caribe e Pacfico- que prev
exportaes favorecidas Europa e um fundo de financiamento
de programas de desenvolvimento.
8.
Segurana alimentar e comrcio internacional
Organismos
internacionais como a OMC e a prpria FAO vem substituindo
aquilo que consideram como uma preocupao excessiva com
a auto-suficincia alimentar (food self-sufficiency) por estratgias fundadas na autocapacidade
alimentar (food
self-reliance). Esta nova diretriz vale-se da j referida
nfase nos problemas de o aos alimentos como sendo
o principal condicionante da segurana alimentar dos pases
e das famlias, privilegiando-se a capacidade dos pases
arem os alimentos -que estariam disponveis em quantidade
suficiente em termos globais- pela via do comrcio internacional
ou, no limite, via ajuda alimentar.
Reedio
de antigas teses sobre as potencialidades do comrcio
internacional, reafirmadas nos recentes acordos firmados
no mbito da OMC, esta perspectiva recebeu a adeso, mesmo
que com ressalvas, da prpria FAO. Esta sugere em seus
documentos o ajuste realidade de interdependncia global
pela adoo de estratgias voltadas "para fora"
e uma abordagem orientada para a liberalizao dos mercados
domsticos e internacionais, acompanhadas de polticas
nacionais que assegurem que os efeitos positivos do comrcio
internacional na renda e no emprego atinjam os segmentos
mais pobres e que estes estejam protegidos dos efeitos
negativos da maior abertura comercial. As ressalvas dirigem-se
aos efeitos da liberalizao dos mercados na distribuio
espacial da produo e do consumo globais e na estabilidade
dos preos, e eventual elevao dos preos relativos
das mercadorias alimentares com a abertura dos mercados
e a reduo dos subsdios atualmente vigentes (vista como
um estmulo a ser reado aos preos domsticos de modo
a encorajar a produo).
O
recurso s importaes, por seu turno, permitiria satisfazer
as necessidades de consumo de forma mais barata do que
basear-se na produo domstica, desde que os importadores
possam ter no mercado mundial uma fonte confivel e eficiente
de oferta e os exportadores disponham de crescentes mercados
externos para os seus produtos. Essa proposio acompanhada
do reconhecimento de que podem haver razes especficas
para que alguns pases busquem uma substancial auto-suficincia
alimentar. Uma outra ressalva deriva dos receios quanto
s medidas que restringem as exportaes, aos constrangimentos
da capacidade para importar, e aos termos de troca decrescentes
para os produtos dos pases em desenvolvimento.
As
projees da oferta e da demanda globais de alimentos,
mesmo que positivas, so indicadores de disponibilidade
fsica que no do conta da lgica mercantil que preside
o o aos alimentos, mesmo que por doao. Ao que somam
problemas de mtodo no desprezveis. No por acaso as
projees sobre o mercado internacional de produtos agroalimentares
tm chegado a concluses dspares em aspectos importantes,
especialmente, aps a elevao real dos preos e a reduo
no nvel dos estoques internacionais de gros, ocorridas
em 1995/96. Algumas delas sustentam que se interromper
a tendncia secular de queda dos preos que se apoiava
fortemente nos grandes supervits
de produo e no elevado nvel de estoques das naes
industrializadas, dando lugar a um cenrio futuro de escassez
e instabilidade. Outras afirmam que os acontecimentos
recentes no aram de abalo temporrio rapidamente
absorvido pelo mercado, de modo a se restabelecer a situao
anterior de oferta suficiente e preos tendencialmente
declinantes.
Apesar
da discrepncia entre as projees, pode-se concluir que
o comrcio desses produtos se ampliar nas prximas dcadas
por razes de demanda (incrementos de renda e da urbanizao)
e porque a maioria dos pases em desenvolvimento tornarem-se
importadores lquidos de cereais (sobretudo gros forrageiros)
e de carnes. tambm bvio que a ampliao da capacidade
de o dos atuais excludos -a consecuo da segurana
alimentar- impactaria significativamente os sistemas alimentares,
notadamente na esfera agrcola ou rural. Estimativa
de meados da dcada de 1990 calcula que a demanda insolvente
mundial por alimentos implicaria um acrscimo de 400 milhes
de toneladas de equivalentes-cereais, o que representa
20 vezes o nvel de ajuda alimentar atual. Nestes
termos, um horizonte de mdio e longo prazos conduziria
a discusso para a anlise das condies para a ampliao
sustentvel da oferta mundial de alimentos, trazendo
tna questes relativas aos limites tcnicos e aos requisitos
polticos para tanto.
Aquele
tipo de formulao induz, muito frequentemente, falsa
contraposio produzir internamente todos os alimentos
necessrios versus
especializar-se naqueles produtos em que se mais competitivo.
Contraposio que no encontra sustentao na histria
de como os pases enfrentam a questo alimentar, a qual
nunca se fez pela opo por qualquer um dos extremos da
contraposio. A produo domstica de alimentos sempre
foi econmica e politicamente relevante mesmo nos pases
muito dependentes do comrcio exterior, assim como as
importaes de alimentos fazem parte do abastecimento
de todos os pases, em maior ou menor grau, como recurso
permanente ou eventual.
A
associao do objetivo da segurana alimentar com um elevado
grau de auto-suficincia produtiva nacional dos alimentos
considerados essenciais tem uma longa e diversificada
histria. A auto-suficincia pode abarcar um nmero expressivo
ou reduzido de produtos, e pode se definir nacionalmente
ou no mbito de blocos supranacionais. Ela no implica
em exclusiva orientao para o mercado domstico, como
a convencional diferenciao entre produo para mercado
interno versus exportaes enganosamente faria supor; h inmeros casos em
que a auto-suficincia combina-se com a condio de pas
exportador de produtos agroalimentares, em alguns, inclusive,
coincidindo os principais
produtos de exportao e os de consumo interno massivo.
A
questo relevante a discutir, em lugar do estabelecimento
de dicotomias, o papel a ser atribudo aos mercados,
em especial, ao comrcio internacional, para o objetivo
da segurana alimentar, e tambm quais so os instrumentos
adequados para sua regulao na direo deste e de outros
objetivos anlogos. Contrariamente ao que se afirma, o
comrcio internacional no tem se revelado um instrumento
de segurana alimentar, seja como fonte confivel e eficiente
para os importadores, seja como mercado em expanso para
os exportadores, por dois motivos principais.
O
primeiro motivo fornecido pelos resultados dos esforos
de liberalizao comercial no mbito da OMC que, apesar
de ainda insignificantes, j provocaram a elevao do
componente importado da oferta de produtos agroalimentares
na grande maioria dos Terceiro Mundo, em ritmo frequentemente
superior ao do crescimento das suas exportaes. Poucos
deles esto capacitados para exportar produtos manufaturados,
segmento onde se concentra o dinamismo do comrcio de
mercadorias. Assim, pode-se concluir
que os resultados dos acordos, de fato, tornaram os pases
e, especialmente, seus pequenos produtores menos capazes
(self-reliant)
e sustentveis. O segundo motivo liga-se aos constrangimentos
colocados ao manejo da poltica cambial e s incertezas
resultantes da instabilidade financeira que, h tempos,
caracteriza a economia internacional. A poltica cambial
, como se sabe, um instrumento vital na determinao
dos fluxos comerciais.
Dois
outros fatores devem ser acrescentados na anlise do papel
do comrcio internacional para a segurana alimentar.
Primeiro, a importncia especfica que atribuda produo
prpria de alimentos faz da questo da auto-suficincia
um tema politicamente sensvel na maioria dos pases.
Isto tanto mais verdade quanto maior a dimenso do pas
(em termos geogrficos e populacionais), caso em que as
aquisies externas de alimentos limitam-se a alguns produtos
particulares e a circunstncias excepcionais. Segundo,
a crescente onda de resistncia social e poltica ao predomnio
de uma lgica mercantil estrita num quadro de globalizao
da pobreza coloca um novo elemento s negociaes internacionais
sobre comrcio e outros temas.
Vale
dizer, as formas de regulao do comrcio internacional
sofrem presses de dois tipos. A principal delas vai na
direo de que a OMC aprofunde a perspectiva liberalizante
que presidiu os acordos da Rodada Uruguai do GATT e cujos
resultados estiveram muito aqum do esperado por seus
defensores. No caso dos produtos agroalimentares, o enquadramento
das polticas de e produo domstica dever constituir-se
num dos principais objetivos das negociaes futuras.
A outra fonte de presso so os acontecimentos na esfera
financeira internacional que podem vir a reforar os argumentos
dos que defendem a introduo de mecanismos protetores
anti-especulativos no plano internacional, e dos que apontam
a convenincia da adoo de polticas ativas de apoio
produo domstica em face da fragilidade das contas
externas dos pases do Terceiro Mundo. A referida globalizao
da pobreza atingindo os pases mais avanados -sem embargo
da sua extrema gravidade nos pases do Terceiro Mundo-
poder tambm favorecer uma ampliao das ressalvas
lgica mercantil estrita que ora preside os acordos internacionais.
A
tarefa mais complexa constitui-se, sem dvida, o estabelecimento
de novas referncias para a regulao do comrcio internacional
com base num enfoque onde a segurana alimentar deixaria
de ser apenas uma ressalva tolervel ao funcionamento
das foras de mercado. H, aqui, um elemento de controvrsia
referente considerao da segurana alimentar (no sentido
de food security) como um tema comercial e as
formas de inseri-la nos acordos promovidos pela OMC. Na
linha de consider-la como uma preocupao no comercial
(non-trade concerns)
integrante dos acordos sobre comrcio, uma das propostas
seria a de criar uma caixa de segurana alimentar no
acordo agrcola na qual seriam previstas clusulas de
exceo ao livre-comrcio dos alimentos e mecanismos de
compensaes a seus eventuais danos a serem examinados
caso a caso. Isto significaria atribuir segurana alimentar
um estatuto semelhante ao das chamadas clusulas sociais
e ambientais. Nesta mesma linha, porm mais plausvel
aos moldes atuais da OMC, h sugestes de acrescentar
uma emenda caixa verde em que esto previstas as circunstncias
em que se ite o apoio domstico fornecido aos agricultores.
Este
tipo de encaminhamento no seria suficiente para os enfoques
baseados no direito alimentao, alguns dos quais vo
ao ponto de sustentar que o comrcio de alimentos essenciais
seja retirado do mbito da OMC. Os alimentos no devem
ser considerados exclusivamente
como mercadorias e muito menos serem utilizados
como instrumentos de presso para fins polticos ou de
conquista de mercados, assim como a questo alimentar
no pode ser reduzida a seus aspectos exclusivamente econmicos.
Mais do que clusulas especficas no acordo agrcola,
a introduo da segurana alimentar na OMC requereria,
em primeiro lugar, itir o direito dos povos alimentarem-se
a si mesmos com base em polticas agroalimentares nacionais
e regionais, e a desenvolver uma agricultura prpria que
preencha mltiplas funes todas elas essenciais para
se obter a segurana alimentar. Em segundo lugar, haveria
que alterar alguns mecanismos gerais, principalmente desde
a perspectiva dos pases de baixa renda importadores de
alimentos, visando criar estabilidade na oferta de alimentos,
apoiar maior diversidade dos sistemas de produo e distribuio
de alimentos tornando-os sustentveis e equitativos no
longo prazo, e permitir que os pases protejam os setores
mais vulnerveis e mantenham estoques de segurana. Em
terceiro lugar, os demais acordos da OMC que afetam a
segurana alimentar devem ser tomados em conta, como so
os casos do TRIPS, do SPS e de vrias decises ministeriais.
Sugere-se, por fim, a criao de um Comit sobre Comrcio
e Segurana Alimentar, semelhana do que ja existe sobre
ambiente.
Como concluso,
sugere-se rejeitar a contraposio entre uma estratgia
voltada para a auto-suficincia e uma baseada na autocapacidade,
assim formulada com o objetivo de sustentar a correspondente
adoo dessa ltima como a mais adequada ao contexto atual.
Em primeiro lugar, porque esse enfoque equivoca-se quanto
natureza dos chamados mecanismos de mercado e coloca
o abastecimento alimentar sob o domnio de formas de regulao
privada com pouco, por vezes nenhum, sentido pblico.
Formas de regulao com um sentido pblico requerem, ademais,
o e das agncias de estado e o concurso de organismos
e convnios internacionais. Nos mercados internacionais
que se revela, da forma mais clara, a dimenso institucional
dos mercados, de modo que fatores como a atuao dos governos
e dos referidos organismos colocam-se como to ou mais
importantes que os aspectos ligados eficincia produtiva
para a determinao da confiabilidade do mercado internacional
como fonte de renda e de abastecimento alimentar.
Em
segundo lugar, porque desconhece a importncia especfica
da produo domstica de alimentos, e como ela se combina,
nos distintos pases, com o comrcio internacional dos
produtos agroalimentares. itir o suposto de economia
aberta no implica abandonar toda e qualquer referncia
auto-suficincia produtiva e aderir, incondicionalmente,
ao enfoque da autocapacidade. Trata-se, isto sim, de reconhecer
o lugar peculiar e estratgico ocupado pela produo domstica
de alimentos, e de atribuir um papel definido, porm,
realista s trocas internacionais no abastecimento alimentar,
em simultneo busca por estabelecer novas formas de
regulao das mesmas.
Em
terceiro lugar, por fim, porque o comrcio internacional,
como tal, est longe de constituir-se em fonte confivel
de segurana alimentar para os pases em geral.
9.
Consumo, segurana dos alimentos e direitos do consumidor
A
abordagem do consumo de alimentos deve considerar o grau
de heterogeneidade social dos pases, particularmente
no Terceiro Mundo onde as desigualdades de renda tendem
a ser mais elevadas.
Os
gastos com alimentao tm um peso muito distinto na composio
das despesas das famlias nos diferentes estratos de renda,
sendo que o o regular e adequado aos alimentos nos
estratos inferiores custoso (absorve parcela significativa
da renda familiar) e pode comprometer o o a outros
bens e servios necessrios a uma vida digna. Este aspecto
deve ser contemplado pelas polticas de emprego e renda
(particularmente as polticas salarial e previdenciria),
e as relativas produo.
Graves
problemas por insuficincia de alimentao provocada por
restries de renda coexistem com padres de consumo tpicos
das camadas de renda mais elevada, anlogos aos encontrados
nos pases industrializados. Isto implica que as polticas
de segurana alimentar tm o duplo desafio de enfrentar,
simultaneamente, a carncia alimentar (a fome) e os problemas
derivados de hbitos alimentares inadequados (gerando
a obesidade e outros). Quanto primeira, seu carter
vital faz com que as polticas antes mencionadas sejam
acompanhadas de programas de suplementao alimentar;
j o segundo tipo de problema requer medidas preventivas
educativas frente a um fenmeno que se tornou uma questo
de sade pblica pois se manifesta inclusive entre as
camadas populares.
Circunstncias
da vida contempornea e os impactos de poderosos instrumentos
de propaganda tm alterado a forma de aquisio e de consumo
dos alimentos (por exemplo, consumo de produtos elaborados
em lugar de produtos in
natura) e a prpria composio da cesta habitual de
compras. Preocupaes quanto adequao nutricional,
por sua vez, fazem com que se questione a essencialidade
de vrios produtos de consumo generalizado, reproduzindo
o antigo embate entre a imposio de preceitos nutricionais
versus o respeito a hbitos alimentares adquiridos.
A
evoluo do perfil do consumo na direo de um padro
de alimentao em que tm grande ou crescente importncia
a utilizao de alimentos preparados e a refeio realizada
fora do domiclio nos ncleos urbanos de mdio e grande
porte acarretam importantes implicaes em termos de aes
e polticas pblicas de segurana alimentar. As refeies
fora do domicilio colocam novas exigncias para a ao
do poder pblico que ultraam a convencional atuao
normatizadora e fiscalizadora dos servios de alimentao.
Uma iniciativa que vem ganhando importncia o oferecimento
de refeies de qualidade a preos veis atravs
da implantao de restaurantes populares nas zonas centrais
das cidades de maior porte. A experincia tem revelado
que, alm do benefcio aos usurios destes restaurantes,
sua existncia gera impactos positivos nos servios de
alimentao das zonas onde eles esto localizados. A concesso
de subsdio no preo da refeio parece ser um recurso
inevitvel para adequ-lo baixa renda dos usurios,
embora o montante de tal subsdio seja relativa e absolutamente
pouco expressivo em face dos impactos diretos e indiretos
dos referidos restaurantes.
Os
atributos de qualidade dos alimentos tornaram-se, tambm,
um requisito comercial em funo da referida demanda crescente
por produtos elaborados (isto , com servios neles incorporados),
e da preocupao com a segurana dos alimentos (no sentido
de food safety).
Esta preocupao acentuada pelo modelo de produo e
de consumo que promove o distanciamento entre ambas as
esferas e o recurso a tcnicas e insumos produtivos visando
o aumento da produtividade e a diferenciao do bens finais
de consumo.
As
normas internacionais relativas aos alimentos so de responsabilidade
da Comisso Internacional do Codex
Alimentarius, organismo criado na dcada de 1960 sob
a gide da FAO e da OMS, atualmente composto por 165 pases.
A importncia crescente adquirida pelo Codex
foi reforada por suas deliberaes terem sido itidas
como referncia para as negociaes comerciais realizadas
no mbito da OMC. Os pases membros comprometem-se a criar
comisses nacionais do Codex visando estabelecer normas nacionais que venham a ser compatveis
com aquelas deliberadas em nvel internacional. Tais comisses
deveriam constituir-se em importante espao de participao
das entidades representativas dos consumidores de modo
a contrabalanar a enorme influncia nelas exercidas pelas
grandes corporaes internacionais, como vem tentanto
fazer a duras penas a Consumers
International, nica organizao no-gvernamental
participante da Comisso Internacional do Codex.
de se esperar conflitos crescentes frente s iniciativas
para introduzir o princpio da precauo entre as regras
que governam o comrcio mundial de alimentos. Este princpio,
consagrado em tratados internacionais sobre o meio-ambiente,
foi recentemente estendido pela Frana para a vigilncia
sanitria dos alimentos em 1998, e tornou-se objeto de
deliberao especfica por parte da pela Unio Europia,
em Fevereiro de 2.000. Ele preconiza que na ausncia de
certeza cientfica absoluta sobre os riscos potenciais
para a sade humana (bem como para o ambiente, os animais
e vegetais), a dvida deve beneficiar os consumidores,
ficando os governos autorizados a recorrerem a medidas
provisrias visando proteg-los, com destaque s de carter
sanitrio e fito-sanitrio e suspenso da comercializao
do(s) bem(ns) em questo. Embora sem se referirem explicitamente
ao princpio, o acordo da Rodada Uruguai do GATT e o acordo
fito-sanitrio da OMC tambm prevm o recurso a tais medidas,
ainda que pondo nfase em que sejam mnimos seus impactos
sobre o livre-comrcio. Contudo, as divergncias entre
os pases na definio deste princpio e as suspeitas
de sua aplicao de forma discriminatria, somadas indefectvel
defesa do livre-comrcio, permitem prever acesa polmica
sobre a sua adoo.
Ainda
referente qualidade dos alimentos as entidades de defesa
dos consumidores lutam pela garantia dos seguintes direitos:
a)
direito de o a alimentos seguros
b)
direito informao, inclusive face ao risco de informaes
erradas e mesmo enganosas
c)
direito reclamar e justa compensao por danos
d)
direito uma educao alimentar que dote o consumidor
de habilidades e conhecimentos que permitam escolher e
consumir de forma segura e adequada os alimentos, com
vistas introduo de prticas saudveis de alimentao
e)
direito de ser escutado, atravs da participao dos consumidores
na formulao de polticas pblicas, na avaliao de normas
e regulamentos e na implementao de aes relativas aos
alimentos
f)
direito a um ambiente saudvel com vistas a promover um
consumo sustentvel, em funo dos impactos ambientais
da produo, do processamento e do consumo (no aspecto
do descarte) de alimentos
As
entidades de consumidores vm tendo destacado papel em
campanhas de segurana alimentar, notadamente na mais
recente delas ligada aos produtos OGMs. Contudo, seria
fundamental que elas fossem alm do tema da qualidade
dos alimentos consumidos de modo a englobar desde o o
terra at o consumo, incluindo-se a uma articulao
mais estreita entre campo e cidade.
Os
crescentes requisitos de qualidade dos alimentos e de
instrumentos para assegur-la resultaram na generalizao
da perspectiva da rastreabilidade dos produtos, que vem
sendo rapidamente adotada pelos principais agentes das
cadeias agroalimentares, ao mesmo tempo em que aumentaram
as exigncias em termos da confiabilidade da certificao
e do registro dos alimentos e da estrutura e do modo de
atuao dos servios pblicos de vigilncia sanitria.
As informaes prestadas
pelo fabricante so consideradas suficientes a menos que
surjam problemas derivados do uso do respectivo produto.
Trata-se de um mecanismo claramente insuficiente para
assegurar a qualidade dos mesmos, alm de no ser adequado
realidade dos pequenos produtores em face das exigncias
estabelecidas nas normas de fabricao.
Seria
fundamental que a regulamentao e o funcionamento dos
servios de vigilncia sanitria buscassem promover atividades
de produo desses bens em bases mais eqitativas, em
lugar de simplesmente punir os pequenos produtores que
no se enquadram nas normas dadas.
10.
Sustentabilidade alimentar
A
exemplo da discusso conceitual sobre a segurana alimentar,
o conceito de sustentabilidade tambm fruto de intensa
disputa e ainda no aparece como uma noo acabada. Isto
vai se refletir, da mesma forma, sobre o entendimento
acerca da noo de agricultura sustentvel. Para rgos
como a FAO, ou na declarao que emergiu da chamada Agenda
21, trata-se de um conjunto de regras ou prticas produtivas,
com preocupaes muito restritas ao aspecto ambiental.
Para um conjunto de
ONGs e movimentos sociais que trabalham com o tema,
vai-se alm da questo da produo agrcola, compreendendo-se
a sustentabilidade em suas dimenses ambiental, mas tambm
social, econmica e poltica. Pensar de forma articulada
estas dimenses permite deslocar o foco dessa discusso
para o homem, em toda a diversidade que comporta.
A
agricultura como concebida nos padres convencionais
gera dois tipos de ameaa sua sustentabilidade. A primeira
se d atravs da intensificao da atividade agrcola,
pela adoo de prticas monocultoras e de uso excessivo
de insumos qumicos e mecanizao pesada. A segunda, ocorre
pela sobreutilizao dos recursos naturais e pela mobilizao
de ecossistemas extremamente frgeis. Nos pases em desenvolvimento,
em muitos casos, esse esgotamento dos recursos naturais
acontece pela presso exercida por populaes que so
vtimas de processos de concentrao fundiria, sendo
obrigados a seguir uma lgica de curtssimo prazo para
garantir sua sobrevivncia imediata.
No
contexto atual em que est organizada a produo de alimentos,
no mundo atual, a compatibilizao da sustentabilidade
com a segurana alimentar um desafio cercado de dificuldades,
mas tambm carregada de muitas oportunidades. A necessidade
de manter a oferta de alimentos em condies de atender
milhes de consumidores em cada pas traduz a maior dessas
dificuldades. A FAO prope a intensificao da produo,
com diversificao, mas sua viabilidade parece duvidosa,
j que a intensificao se faz a partir da especializao
e da dependncia crescente dos insumos industriais.
O
melhor caminho na busca de um sistema alimentar sustentvel
parece ser o fortalecimento da agricultura familiar ou
camponesa, enquanto formao social mais adequada para
garantir a segurana alimentar em condies sustentveis.
Isto devido s prprias caractersticas que lhes so inerentes.
De um lado, por a sua identificao com modelos produtivos
que do nfase diversificao da produo, . Por outro
lado, pela e a maior mobilidade para diferentes destinaes
do resultado de seu trabalho, podendo variar entre os
extremos de depender exclusivamente de fontes externas
do mercado ou recuar at o completo auto-abastecimento.
Considere-se,
ainda, a maior disposio desse produtor em entregar
sociedade os produtos de seu trabalho sem exigir que sua
taxa de retorno seja superior ou igual de outras atividades
que poderia exercer, por no trabalhar subordinado lgica
do lucro. Isto possibilita que sua manuteno na atividade
agropecuria no fique independente de mudanas conjunturais,
o que o faz responder favoravelmente a favorecendo o atributo
da estabilidade na segurana alimentar. Some-se a estes
aspectos, o fato dessa modalidade de agricultura, embora
tambm utilizando maquinaria e insumos qumicos, o faa
em menor grau, valendo-se de outros recursos, como a fora
animal e a adubao orgnica. Por isso emprega mais mo
de obra, fortalecendo a equidade e reduzindo a pobreza
rural. O recurso da produo
para autoconsumo, por sua vez, pode atenuar o problema
da desnutrio no meio
rural.
Dentro
da realidade da maior parte dos pases em desenvolvimento,
algumas propostas devem ser encorajadas. A primeira refere-se
necessidade de um ordenamento territorial, distinguindo-se
as terras imprprias para a agricultura ou mesmo para
outros usos, as terras de uso e aquelas mais
indicadas para o cultivo. A segunda orientao est relacionada
concesso de estmulos (preos de e, crdito agrcola,
etc.) para aqueles que adotam tecnologias benignas ou
de recuperao ambiental, incentivando-se um modelo agrcola
de base agroecolgica.
Mesmo
no contexto de primazia do mercado global, que tende a
aprofundar o processo de excluso da agricultura de base
familiar, tambm neste mbito so oferecidas oportunidades
possveis de serem aproveitadas. Expandem-se os mercados
de produtos chamados naturais, orgnicos ou daquilo
que se denomina produtos de clientela, cujas variedades
encontram especial acolhida nos pases desenvolvidos.
O
encontro de objetivos da sustentabilidade e da segurana
alimentar tambm se define no campo ideolgico, pela afirmao
da supremacia do direito alimentao e aos recursos
naturais enquanto bens pblicos que devem ser assegurados
a todos. E pela identificao de que a desigualdade
a causa principal da incapacidade de o aos alimentos,
bem como elemento desencadeador de prticas de apropriao
de bens naturais, que perdem seu carter pblico para
assumirem o papel privado de instrumento para a acumulao
do capital. Esta compreenso desautoriza a mitificao
do chamado livre mercado. Na busca de consecuo articulada
dos objetivos contidos nas categorias da sustentabilidade
e da segurana alimentar refora-se a necessidade da regulao
dos mercados e o papel indispensvel do Estado nessa mediao.
H que
se explorar todas as possibilidades de encontro e concertao
entre os atores sociais envolvidos com os dois temas,
incluindo-se a agricultores, consumidores, ambientalistas,
etc.
A
partir dos sentidos aqui enunciados que se expressa
a idia da sustentabilidade alimentar como marco terico-poltico
de trabalho, buscando enfrentar articuladamente as preocupaes
com respeito s diversas dimenses que se mostram comuns
agricultura sustentvel e segurana alimentar.
11.
Impactos dos OGMs na Segurana Alimentar
Pode-se
afirmar que a luta contra a imposio dos Organismos Geneticamente
Modificados adquiriu para a segurana alimentar mundial
um significado de grandes riscos e possibilidades.
Assiste-se,
nos ltimos anos, a uma aglutinao, at ento no experimentada,
dos principais atores sociais que se mobilizam em torno
das bandeiras da segurana alimentar e da sustentabilidade.
O enfrentamento do problema dos OGMs, mais do que em qualquer
outra situao, vem logrando articular camponeses, ambientalistas,
consumidores e mesmo cientistas em prol de um mesmo objetivo.
E a preocupao despertada na opinio pblica mundial
surpreende e obriga reviso das prprias estratgias
das transnacionais envolvidas com os produtos transgnicos.
Mas este parece ser um embate que est apenas em seu incio,
obrigando um atento acompanhamento sobre a movimentao
daquelas empresas.
No debate
sobre a segurana alimentar, preciso que se enfrente
o argumento propagado pelos grupos interessados na produo
dos transgnicos de que estes produtos se constituem na
soluo do problema da fome no mundo. Trata-se da mesma
falcia utilizada no perodo da Revoluo Verde, quando
tambm se afirmava que esta acabaria com a fome no mundo.
No deve ser subestimada a fora deste recurso publicitrio
empregado pelas transnacionais,
de que os OGMs podem acabar com a fome, sobretudo
nos pases no desenvolvidos, onde esse problema assume
propores de calamidade.
preciso que esta afirmao seja energicamente desmentida,
mostrando-se que a fome vai acabar no dia em que estiver superada a excluso de
milhes de pessoas e que a estas seja reconhecido e assegurado
um direito que anterior a qualquer outro, que o de
poder adquirir ou produzir alimentos sadios e de qualidade.
E devem ser transmitidas as inquietaes cientificamente
reconhecidas, como a ameaa biodiversidade, a no assegurada
inocuidade desses alimentos e o oligoplio que vem se
constituindo por trs dessas empresas, visando a controlar
no apenas o mercado de sementes, mas todo o pacote tecnolgico
da produo alimentar.
Ao lado
de uma argumentao consistente, que coloca os temas centrais
da segurana alimentar em debate para um vasto pblico,
E necessrio, ainda, que se proceda constituio de
propostas para o enfrentamento investida dos transgnicos.
Evidentemente, muito do que encaminhado em cada pas
diz respeito s particularidades locais, mas duas propostas
vm encontrando receptividade mais ampla: a moratria
para plantio e comercializao de transgnicos e a rotulagem
desses produtos.
A
moratria dos OGMs baseia-se na constatao de no ter
existido o tempo mnimo necessrio de investigao para
poder se afirmar que os transgnicos so inofensivos
natureza e sade. O aodamento em lanar estes produtos
no mercado gerado pela pressa em fazer retornar o capital
investido pelas
empresas transnacionais envolvidas nesta aventura,
no podendo ser aceito pela opinio pblica mundial. Por
outro lado, uma proposta que possibilita aos movimentos
sociais mobilizados nesta luta ganharem tempo para fazer
crescer ainda mais esta mobilizao.
Quanto
rotulagem dos produtos transgnicos deve-se considerar
dois aspectos bastante distintos. De um lado, deve ser
tratado como um direito inquestionvel do consumidor ser
informado sobre aquilo que consome. E isto vale para qualquer
produto. No caso dos transgnicos pode se tornar em um
embarao para as indstrias processadoras de alimentos
a obrigao de declarar a presena de componentes geneticamente
modificados, embora em muitos pases seja incerta a confiabilidade
deste tipo de informao. De outro lado, h que se ter
cuidado com a defesa dessa proposta, j que ela traz em
si mesma a isso da permisso do comrcio de alimentos
transgnicos.
Um
ponto ainda a se atentar na luta atualmente travada
a necessidade de denunciar energicamente a utilizao
de alimentos transgnicos na ajuda alimentar internacional.
Diversas firmas agroalimentares tm obtido contratos com
o Programa Mundial contra a Fome, da FAO/ONU, visando
dar uma destinao aos seus estoques de alimentos geneticamente
modificados rejeitados pelos mercados de diversos pases,
o que eticamente inaceitvel.
12.
Patrimnio cultural da alimentao em risco
Cada sociedade,
ao longo da sua histria, construiu (e continua a construir)
um conjunto de prticas alimentares que constituem seu
patrimnio cultural. So estas tradies, peculiares a
cada grupo social, que permitem s pessoas se reconhecerem
como integrantes do mesmo tecido social. Estas escolhas
alimentares e estas prticas de cozinha estiveram sempre
associadas regio e s condies locais de existncia.
Dentre todos os elementos que compem a cadeia alimentar
so as diferentes cozinhas que melhor exprimem as tradies
e costumes de uma sociedade.
No final
deste sculo, observa-se uma ruptura radical destes sistemas
alimentares. A urbanizao acelerada fez com que produtos
do mundo inteiro se misturassem, transformando progressivamente
os hbitos alimentares. Os exemplos recentes desta globalizao
alimentar so
o hamburguer e a coca-cola, smbolos do que mais moderno,
seguro (enquanto alimento higinico), fcil e rpido de
comer.
Os efeitos
culturais, econmicos e sociais deste padro alimentar
so sentidos diferentemente segundo as classes sociais.
De fato, so os grupos mais pobres os mais atingidos por
esta massificao alimentar. Carecendo de informao,
so os mais atingidos pela propaganda e estratgias de
marketing. Os pequenos produtores, por sua vez, encontram
dificuldades de comercializao de seus produtos, os quais
no dispem do mesmo apelo publicitrio.
De que
forma possvel, enquanto cidados e consumidores, defender
e preservar a diversidade cultural alimentar de uma sociedade
?
Desde logo,
fundamental que cada sociedade possa conhecer sua histria
agrcola e alimentar, e que este patrimnio seja valorizado
enquanto tal. Vale dizer, cada sociedade deve poder compreender
que seus hbitos mais antigos guardam uma identidade.
Alm do que, preciso destacar que graas a esta cultura
alimentar elas puderam se manter, durante sculos, auto-suficientes
e com um maior controle sobre a
qualidade de seus produtos alimentares. Uma vez
decifrada sua cultura alimentar fica mais fcil o restabelecimento
de algumas prticas alimentares, mesmo que estas tenham
sido completamente abandonadas.
Entretanto,
para que este processo seja bem sucedido fundamental
que as sociedades rurais sejam preservadas e ajudadas,
com polticas especficas, especialmente no que se refere
agricultura familiar. Os produtos alimentares devem
ser transformados localmente e segundo a tradio destas
regies, desenvolvendo-se em simultneo aes que estimulem
sua. comercializao em feiras e mercados regionais
e, mesmo, atravs das redes de supermercados.
13.
Prticas alimentares e valor nutricional da alimentao
Os
alimentos sofreram um processo de grande transformao
nos ltimos cinquenta anos. A indstria tem alterado perigosamente
as caracteristicas inerentes aos alimentos, comprometendo
sua qualidade. Neste sentido, o processo agroalimentar
ou a
depender de elementos qumicos tanto na produo agrcola
quanto na transformao industrial. Como conseqncia,
o padro alimentar apresenta-se com uma grande quantidade
de gordura animal, protena, sal e acar e carece de
fibras, vitaminas, minerais, carboidratos complexos e
leos vegetais. Observa-se inmeras doenas relacionadas
diretamente a este regime alimentar como diferentes tipos
de cncer, as alergias, as doenas do aparelho circulatrio
e a obesidade. As populaes mais pobres do planeta sofrem
no apenas da fome (o no o alimentao) mas tambm
das doenas ditas modernas relacionadas qualidade
dos alimentos.
Este
processo tem afastado progressivamente os alimentos de
sua origem, a terra, tornando-os meros produtos industriais.
Observa-se assim uma enorme distncia entre os produtores
e os consumidores. Para uma populao que cada vez mais
urbana, a escolha dos alimentos mais indicados ao seu
bem estar tornou-se um problema. Face a uma imensa variedade
de cores e sabores, as escolhas so feitas sem que as
pessoas tenham todas as informaes necessrias. Os critrios
que guiam as escolhas so sobretudo o preo, o aspecto
e a facilidade de preparo e no as qualidades nutricionais
dos produtos.
Quais
seriam as alternativas para se conseguir uma alimentao
saudvel, ou seja, que pudesse estar adequada s necessidades
dos indivduos?
Em
primeiro lugar preciso um trabalho de reeducao alimentar.
O consumidor precisa estar consciente das suas escolhas
alimentares bem como das razes pelas quais ele consome
este ou aquele alimento. importante estar consciente
tambm dos efeitos destas escolhas sobre a sua sade,
o meio ambiente e repartio social da riqueza.
Uma
dieta saudvel na medida em que fornece todos elementos
necessrios ao desenvolvimento e a manuteno do organismo.
Assim, preciso que a dieta seja equilibrada, ou seja,
que seja baseada em glicdios complexos: arroz, batata,
macarro, farinha e po. Que os legumes e frutas sejam
privilegiados, fornecendo os minerais, vitaminas e fibras.
Que as protenas sejam utilizadas com moderao: carne,
peixe, ave, ovo, presunto, leite, queijo e yogurte. Que
smente pequena quantidade de gordura seja consumida:
manteiga, azeite e leo. Ao mesmo tempo, fundamental
que esta dieta seja de alta qualidade, que os elementos
que a compem sejam frescos (deve-se evitar os alimentos
congelados), naturais (sofrendo o mnimo possvel os efeitos
da transformao industrial) e integrais (deve-se evitar
os cereais no integrais e o acar refinado). Finalmente,
essencial que esta dieta seja gostosa e que respeite
os hbitos alimentares regionais.
Em
segundo lugar, cabe aos consumidores o importante papel
de zelar pela manuteno da qualidade dos alimentos em
toda a cadeia alimentar, desde a produo agrcola que
deve ser isenta de produtos qumicos at a transformao
industrial, que deve ser realizada sem o comprometimento
da qualidade nutricional do alimento. Este aspecto melhor
desenvolvido em outra parte do texto.
Em
terceiro lugar, necessrio que os consumidores enquanto
cidados defendam uma distribuio mais justa da riqueza.
Os impactos socio-econmicos e ambientais das suas escolhas
alimentares precisam ser realados.
E fundamental que todos compreendam que a partir
das escolhas alimentares pode-se aumentar o poder das
grandes corporaes alimentares ou, ao contrrio, pode-se
dar importante contribuio ao desenvolvimento da agricultura
familiar que, por sua vez, pode fornecer um alimento seguro,
produzido em harmonia com o meio ambiente e revitalizando
as regies rurais.
14.
Formulao de polticas pblicas e participao da sociedade
civil
A
discusso sobre a formulao de polticas pblicas de
segurana alimentar exige considerar a diversidade de
situaes existentes entre os pases, seja pelas diferentes
necessidades que neles se expressam, seja pelos graus
igualmente diferenciados dos papis exercidos pelos estados
e dos nveis de organizao social neles encontrados.
Mas
nesta anlise, pode-se partir de algumas premissas comuns
em meio a toda esta diversidade. A primeira premissa refere-se
ao carter multidimensional e intersetorial que deve ser
assumido na gesto das polticas pblicas de segurana
alimentar, conforme j discutido. A conseqncia prtica
da aceitao dessa premissa que o exerccio das polticas
de segurana alimentar deve partir de instncias interministeriais.
Superando um entendimento equivocado, da segurana alimentar
subordinada produo de alimentos e, em conseqncia,
tendo sua poltica definida no limite
do planejamento agrcola. Ao contrrio, entendendo a segurana
alimentar como um dos elementos articuladores das macropolticas,
a elaborao e execuo de suas polticas devem se dar
atravs de intensa articulao nos diferentes campos de
interveno do estado, como o agrcola, a sade, a educao,
o trabalho, a tecnologia, o ambiental e no atual contexto
de globalizao, as relaes internacionais, entre outros.
Uma
outra premissa relevante a que articula as aes de
natureza emergencial com as estruturais, rompendo com
falsas dicotomias baseadas na separao entre o econmico
e o social, to consagrada dentro dos esquemas neoliberais
que produzem a concentrao da riqueza e a pobreza e depois
istram polticas sociais para atenu-las.
No podem
ser exercidas polticas de natureza estrutural sem que
sejam considerados os efeitos imediatos que sero provocados
sobre as populaes que esto em seu mbito. Muitos exemplos
podem ser dados, entre eles a necessidade de programas
de reconverso produtiva de agricultores a um modelo diversificado
de agricultura, sem colocar em risco sua sobrevivncia
econmica neste perodo.
Quanto
s polticas emergenciais, elas se concretizam em programas
e aes pblicas dirigidas a grupos populacionais especficos,
com o objetivo de suplementar carncias alimentares e
nutricionais e que so qualificadas como medidas assistenciais
de natureza compensatria. Tais iniciativas sempre foram
objeto de resistncia justamente por apenas amenizarem
os efeitos perversos das situaes de injustia social
e, para alguns, por dificultarem o enfrentamento e a superao
dos fatores promotores da injustia. Aponta-se, tambm,
para o fato do assistencialismo constituir-se em campo
propcio para prticas populistas e demaggicas, para
o desvio de recursos e para a corrupo. Assim, a isso
da existncia destes programas quase sempre acompanhada
de ressalvas ao fato deles precisarem existir e reafirmaes
da expectativa de que sejam provisrios.
O
que aqui se afirma aqui que as polticas emergenciais
de segurana alimentar so indispensveis para o enfrentamento
de problemas que no podem esperar o tempo de resposta
de medidas estruturais que devem estar sendo tomadas simultaneamente.
E estas medidas emergenciais devem trazer obrigatoriamente
componentes ligados a uma transformao estrutural das
condies geradoras das situaes que as justificam. No
que se refere especificamente distribuio de alimentos,
os programas compensatrios devem se caracterizar por
serem:
a)
educativos, em relao aos hbitos e prticas alimentares;
b)
organizativos, para a defesa dos direitos de cidadania;
c)
emancipadores, visando promover a autonomia e no a dependncia
dos beneficirios.
Uma poltica
de distribuio de alimentos, por exemplo, deve incluir
a criao das condies e obrigatoriedade das famlias
beneficirias em ter os filhos
na escola, em constituir conselhos locais com a
participao dos prprios beneficirios para o acompanhamento
dessa poltica, etc.
Embora
se desenvolvam em contexto bastante distinto, cabe uma
meno aos programas de ajuda alimentar nos pases ocidentais
mais avanados, inclusive porque seus rumos tendem a repercurtir
no restante do mundo. A insegurana alimentar pela dificuldade
de o aos alimentos afeta um contingente significativo
da populao destes pases, mas raramente identificada
como tal nos programas e indicadores oficiais. Ela se
deve sobretudo ao preo dos alimentos em face dos demais
bens que integram os gastos das famlias, sendo temporria
e mesmo sazonal (pois se agravando durante o inverno).
Supe-se que os sistemas de proteo social cobrem todas
as necessidades bsicas dos mais pobres e as respostas
dos governos questo alimentar so, quando muito, parciais.
Os EUA so a principal exceo, sendo o pas com maior
percentual (13%) da populao atendido por programas de
ajuda alimentar, e tambm o que tem atuao mais antiga
e programas alimentares mais amplos, porm, com cortes
oramentrios recentes que levaram a um maior envolvimento
da sociedade civil. importante notar que o reconhecimento
crescente da problemtica alimentar vem se dando no bjo
de reformas nas polticas sociais cuja orientao caracteriza-se
pela maior responsabilizao dos beneficirios (e.g.,
compromisso de retorno ao trabalho), e pelo relativo desengajamento
do Estado atravs de mecanismos assentados na ao local
e na participao das comunidades.
O
princpio da ateno pblica para assegurar direitos que
devem ser universais, como o caso do direito alimentao
suficiente e adequada, sustenta-se mesmo no caso dos programas
em que conveniente buscar uma maior focalizao nos
respectivos beneficirios. Porm, em lugar de contrapr
universalizao versus
focalizao, possvel preservar direitos universais
e atuar de modo a contemplar os diversos grupos de beneficirios
da ao pblica. A focalizao dos programas pode ser
um elemento de discriminao positiva dos beneficirios,
e no um pretexto para reduzir o papel do Estado mesmo
que sob a justificativa de estabelecer parcerias com a
sociedade. Nestes termos, a focalizao visando a eqidade
social significa definir prioridades e tratar desigualmente
os desiguais, combinando os programas assim orientados
com aes universais que evitem o crescimento dos grupos
prioritrios destes mesmos programas.
As
polticas de segurana alimentar devem se constituir em
um espao privilegiado de exerccio do interesse pblico,
o que pressupe efetivo envolvimento da sociedade civil.
Ou seja, no se constitui num assunto exclusivamente governamental,
devendo garantir a criao de novos espaos institucionais
que assegurem a constituio de efetivas parcerias e que
sejam adequados articulao de iniciativas em reas
bastante diversas.
No
simples a constituio dessas instncias de concertao
entre atores sociais diferenciados em sua essncia. Parceria
pressupe trabalhar em prol de um objetivo mais geral
que comum entre as partes envolvidas. Ao mesmo tempo,
estas partes no so iguais (se fossem iguais, no seria
uma parceria). Elas possuem papis diferentes e trabalhar
em parceria significa saber articular positivamente as
diferentes atribuies que cabem a cada parte.
Quem
pode ser parceiro, na implementao de polticas de segurana
alimentar? Examine-se inicialmente as relaes estabelecidas
pelo Estado com o setor privado. Este ltimo apresenta
grande e crescente autonomia decisria em relao ao Estado,
alm de contar freqentemente com redes internacionalizadas
com grande velocidade de negociao e de deciso em questes
econmico-financeiras fundamentais. Por seu turno, a atuao
do Estado marcada por estruturas istrativas pouco
flexveis e por processos de deciso que demandam negociao
profunda com atores que tm exigncias especficas. Tais
processos requerem grande dispndio de energia poltica
e podem, por vezes, levar paralisia decisria. Assim,
esta modalidade de parceria na rea da segurana alimentar
apresenta grandes dificuldades de ser concretizada, ainda
mais se considerando que no campo econmico, os interesses
do setor privado voltam-se preferencialmente aos locais
e grupos mais rentveis. Defronta-se aqui com a situao
de que, constantemente, este setor doa recursos de um
lado enquanto promove danos sociais e ambientais de outro,
Cabe, neste caso, a proposio de um cdigo de conduta
tica para pautar a relao do setor privado com o trabalho
social e com as organizaes no-governamentais.
Quanto
s relaes de parceria entre o Estado e as organizaes
da sociedade civil, h que se considerar, inicialmente,
a representatividade dos segmentos mais pobres da populao
em fruns, conselhos ou outras instncias equivalentes,
criadas como espaos consultivos ou decisrios dos quais
podem se originar aes em parceria. Assinale-se, que
na grande maioria dos casos, ainda no existe uma conscincia
da segurana alimentar
na sociedade civil e menos ainda nesses segmentos
mais vulnerveis. Alm disso, freqentemente inexiste
uma tradio associativa nessas comunidades, o que no
se resolve de imediato pela instalao dessas instncias.
Da resulta que o de baixo para cima quase sempre no
funciona e em muitos lugares estas instncias tm existncia
mais formal do que real. Considere-se, ainda, que sua
efetividade depende do grau de convergncia de propsitos
entre os governos e as organizaes da sociedade civil
e do critrio de composio dos fruns de negociao.
A sociedade civil tende a organizar-se sob a lgica da
ao solidria e cooperativa, em contraste com a forte
presena no interior dos governos de uma lgica de conflito
(em lugar da cooperao) e de ao seletiva. Mas todas
estas dificuldades no anulam o fato de que a constituio
desses espaos de parceria e sua regulamentao tm sido
importantes para definir espaos que fogem ao controle
do poder local tradicional, e podem assegurar a definio
de aes que favorecem as comunidades alvo dessas parcerias.
Por
fim, cabe uma referncia importncia particular do mbito
local no desenho e na implementao de aes e programas
pblicos de suplementao alimentar. Isto porque justamente
na identificao de grupos populacionais com carncias
especficas e na atuao junto a eles que fica mais evidente
a relevncia das instncias locais. Por esta razo que
se verifica a tendncia j bastante generalizada implementao
descentralizada de programas alimentares. Sabe-se, ainda,
que as situaes emergenciais de carncia alimentar tendem
a repercutir diretamente sobre o nvel da istrao
pblica mais prximo do cidado e sobre as entidades assistenciais
ou caritativas locais. Costuma ser tambm muito grande
o nmero de iniciativas tomadas no mbito dos municpios
ou das comunidades visando propiciar auxlio alimentar
sob a forma de programas pblicos, da mobilizao de redes
sociais ou mesmo de atitudes isoladas. Portanto, a atuao
junto a grupos populacionais especficos para enfrentar
carncias alimentares e para favorecer uma alimentao
adequada constitui-se numa esfera de atuao local visando
o objetivo da segurana alimentar.
Uma
agenda relativa formulao de polticas pblicas de
segurana alimentar e ao estabelecimento de instncias
representativas e democrticas para sua implementao,
no pode mais se limitar nos planos locais e nacionais.
Torna-se prioritrio pensar esta agenda tambm em um escopo
internacional. Enumeram-se aqui alguns pontos para esta
discusso:
-
Como engajar a comunidade internacional para promover
o direito humano alimentao?
-
Como subordinar a lgica e o sistema internacional
de regulao do comrcio a uma lgica e um sistema que
lhe deve preceder, no campo dos direitos econmicos, sociais
e culturais e que tm na segurana alimentar um de seus
principais eixos?
-
Como garantir um sistema de regulao mundial de
estoques dentro da perspectiva da segurana alimentar?
-
Como estabelecer um cdigo de conduta internacional
que estabelea novos parmetros para a ajuda alimentar?
-
Como construir instncias globais de articulao
e representao da sociedade civil no campo da segurana
alimentar e como viabilizar sua participao nos fruns
de deciso dessas polticas?
Documentos
Consultados
Action
Aid. WTO and food
security - opportunities for action. London, 1999.
Beau,
C. Peut-on nourrir
le monde?- agricultures durables et scurits alimentaires
mondiales. Paris, FPH-GEYSER, 1993 (DT 38)
Belik,
W. e Maluf, R. (orgs.). Abastecimento
e segurana alimentar - os limites da liberalizao.
Campinas
(SP), IE/UNICAMP-REDCAPA-DA, 2.000.
Braun,
J. von et al. Russias
food economy in transition: current policy issues and
the long-term outlook.
Washington (DC), IFPRI, 1996. (FAE Discussion Paper 18).
Brun,
J-M. Le dfi alimentaire
mondial. Paris, FPH-Solagral, 1996. (DD 72)
Brunel,
S. La faim dans
le monde - comprendre pour agir. Paris, PUF, 1999.
CEPAL.
Quince
aos de desempeo econmico. Amrica Latina y el Caribe,
1980-1995.
Santiago de Chile, CEPAL, 1996.
David,
M.B.A. e Nonnenberg, M.J.B. Mercosul:
integrao regional e o comrcio de produtos agrcolas.
R. Janeiro, IPEA, 1997. (Texto para Discusso, 494)
FAO.
World food summit
- synthesis of the technical background documents.
Rome, FAO, 1996.
Friedman,
H. ... (completar depois)
Hervieu,
B. Du droit des peuples se nourrir eux-mmes. Paris,
Flammarion, 1996.
Huang,
J. et al. Chinas food economy to the twenty-first century: supply, demand and trade.
Washington (DC), IFPRI, 1997. (FAE Discussion Paper 19).
Josling,
T.E. et al.
Agriculture in the GATT. Basingstoke, MacMillan Press, 1996.
Kumar,
P. et al. Cereals prospects
in India to 2020: implications for policy.
Washington (DC), IFPRI, 1995. (2020 Brief 23)
Madeley,
J. The Impact of
Trade Liberalisation on Food Security and Poverty - Overview
on Case Studies by Forum Syd-Sweden. Minneapolis,
IATP, 2.000
Maluf,
R.S. O novo contexto internacional da segurana alimentar,
in Belik, W.
e Maluf, R. (orgs.). Abastecimento
e segurana alimentar - os limites da liberalizao.
Campinas
(SP), IE/UNICAMP-REDCAPA-DA, 2.000, 37-63.
Maluf,
R.S. Diversidad, desigualdades y la cuestion alimentaria.
Scripta Nova - Revista Eletrnica de Geografia y Ciencias Sociales.
Barcelona, N 25, 1998.
Maluf,
R.S. Economic development and the food question in Latin
America. Food
Policy,
1998, 23(2), 155-172.
Marloie,
M. (ed.). La
scurit alimentaire face lOrganisation mondiale du
commerce. Paris, Solagral-INRA-FPH, 1998. (Coopration
internationale pour la dmocratie N. 8).
Martin,
W. and Winters, A. (eds.). The
Uruguay round and the developing countries. Cambridge
(UK), Cambridge University Press, 1996.
McCalla,
A.F. Food needs
for the 21st century. Washington(DC), World Bank,
1997. (Agricultural Outlook Forum).
Metz,
M. and Thomson, A. Implications
of economic policy for food security - a training manual.
Rome, FAO, 1997. (TMAP, 40).
Pinstrup-Andersen,
P. et al. The world food situation: recent developments, emerging issues, and long-term
prospects. Washington (DC), IFPRI, 1997. (2020 Vision
- Food Policy Report)
Pisani,
E. et Guihneuf, P-Y. Entre
el mercado y las necesidades humanas - agricultura y seguridad
alimentaria: algunos elementos para el debate.
Paris,
FPH-GEYSER, 1996. (DD 53)
Poisot,
A-S et al. Insecurit alimentaire et aide alimentaire dans les pays occidentaux -
Allemagne, Belgique, Canada, tats Unis, Royaume-Uni.
Paris, SOLAGRAL, 2000.
POUR.
Produire, entretenir et accueillir. Paris,
N. 164, 1999.
Reca,
L.G. y Echeverra, R.G. (comps.). Agricultura,
medio ambiente y pobreza rural en Amrica Latina.
Washington
(D.C.), IFPRI/BID, 1998.
Ritchie,
M. The World Trade
Organization and the Human Right to Food Security.
Minneapolis, IATP, 1.999.
Rocher,
J. Aprs les feux
de paille - politiques de scurit alimentaire dans les
pays du Sud et mondialisation. Paris, Ed. Charles
L. Meyer-ROGEAD, 1998. (DD 90)
Rymarsky,
C. et Thirion, M-C. La
faim cache - une rflexion critique sur laide alimentaire
en .
Paris,
Ed. Charles L. Meyer-Solagral, 1997. (DD 81)
Terre
citoyenne.
Paris, FPH. (N. spcial Nov/1996; N. 2 Avr/1998)
WTO.
Participation of
developing countries in world trade: overview of major
trends and underlying factors. Geneve, WTO, 1996.
(Committee on Trade and Development)
Fichas
de Experincias
A
diversidade scio-espacial que caracteriza a maioria dos
pases implica, obviamente, em problemas e prioridades
diferenciadas, bem como em processos distintos de definio
e encaminhamento dessas prioridades. O recurso anlise
de experincias em curso, por sua vez, permite identificar
as contribuies ou os elementos apropriveis dessas experincias
que no se circunscrevem a uma realidade particular, mesmo
que cada um deles carregue as marcas da realidade que
os originou. A relevncia geral dos aspectos principais
de cada experincia e a adaptao de algumas das solues
por elas encontradas no implica a postura de construir
prticas ou modelos indicados como a melhor soluo (o
famoso enfoque das best
practices). Ao contrrio, valoriza-se aqui uma concepo
em que as iniciativas de promoo de desenvolvimento social,
no caso, associadas promoo da segurana alimentar,
constituem a instaurao de processos em que meios e fins
so definidos pelas sociedades-comunidades que os vivenciam
e que envolvem um forte componente de aprendizado social,
processos que extraem energia dos desequilibrios e tenses
que geram, e que devem ser abertos s diversas possveis
solues e seus resultados no intencionais.
2-13)
[Fichas 1 a 11 - j em francs]
Quadro 1:
Causas da insegurana
alimentar em diversas regies do mundo
|
Africa
subsaha-riana
|
frica
Norte e Oriente Mdio
|
sia
Ocidental e Sul
|
China
|
Sudeste
Asitico
|
Japo
|
Tecnologia
|
x
|
|
x
|
|
|
|
Problemas
climticos
|
x
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
Poltica
agrcola*
|
x
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
o
a insumos
|
x
|
|
|
|
|
|
o
terra
|
x
|
|
x
|
|
|
|
o
* gua
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
|
Eroso
de florestas, salinisao, poluio
|
x
|
|
x
|
x
|
|
|
Preos
|
x
|
|
|
x
|
|
|
Abasteci-mento
|
x
|
|
|
|
|
|
Liberalizao
|
x
|
|
x
|
|
x
|
|
Concentrao
humana
|
x
|
|
x
|
|
|
|
Sade*
|
x
|
|
x
|
|
x
|
|
Desemprego
|
|
|
|
|
|
|
Renda
|
x
|
|
x
|
|
|
|
Hbitos
alimentares*
|
x
|
|
x
|
|
|
|
Qualidade
alimentos
|
|
|
|
|
|
|
Valor
nutricional
|
x
|
|
x
|
x
|
x
|
|
Valor
nutricional+
|
|
x
|
|
|
|
x
|
Minorias*
|
Soudan
|
Sahel
|
India
|
x
|
x
|
|
Gnero
|
x
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
Guerra
|
x
|
x
|
x
|
|
Timor
|
|
Desloca-mentos
|
Ouganda
Rwanda Burundi
|
x
|
x
|
|
Timor
|
|
Desastre
econmico
|
Rep.
Du Congo
|
|
Afghanistan
|
|
x
Birmanie
|
|
Sanes
econmicas
|
Sierra
Leone,
Burundi
e
Liberia
|
Irak
|
|
|
|
|
Fome
poltica*
|
Soudan
|
Irak
|
Afghanistan
|
Chine
|
Birmanie
|
|
Europa
Ocidental
|
Leste
da Europa + Monglia e Coria Norte
|
EUA
e Canad
|
Mxico
|
Amrica
Central e Caribe
|
Pases
Andinos
|
Brasil
e Sul
|
|
|
|
|
x
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
|
|
|
x
Cuba-
Haiti
|
|
|
|
|
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
|
|
x
|
x
|
x
|
|
|
|
|
x
|
x
|
|
x
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
x
|
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
x
|
x
|
x
|
|
|
x
|
x
|
|
x
|
x
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
alcoolismo
Russia
|
novo
padro alimentar
|
|
|
|
Brasil
frutas,
cebolas
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
x
|
|
x
|
x
|
x
|
x
|
|
x
|
|
|
|
x
|
|
|
x
|
|
x
|
x
|
x
|
|
|
|
x
|
x
|
|
|
|
Yougoslavia
|
|
|
|
|
|
|
Yougoslavia
|
|
|
|
|
Sem
Terra
|
|
x
Coreia
do Norte
|
|
|
|
|
|
|
Yougoslavia
|
|
|
Cuba
Haiti
|
|
|
|
Kosovo
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
*
Poltica agrcola : Avec notemment les effets des politiques
de monocultures pour l'exportation qui se font au dtriment
des agricultures vivrires.(Afrique, Asie).
*
o gua : Le problme de l'eau peut tre national,
ou une question de rpartition. Par exemple au Moyen Orient,
l'eau est rare, au Brsil ce n'est pas un problme gneral
mais l'accs
aux ressources est
ingalitaire.
*
Liberalizao: casos analisados em http://www.forumsyd.se/globala.htm
+
Fatores de insegurana alimentar provocados pela liberalizao:
importaes mais baratas que preos locais (Philippines,
Madagascar, Ghana, Mexico); acrscimo dos preos dos insumos
(id); prioridade das exportaes, omisso das carncias
locais (India, Mexico, Philippines, Uruguay, Cambodia);
acrscimo dos sem-terra (vendem s grandes empresas) (Cambodja);
eroso, poluio por causa da monocultura para exportao
(Philippines); diminuio dos servios publicos (Philippines);
acrscimo das migraos para cidades (desemprego, favelas,..);
destabilisao do mercado interno (Philippines, Kenya)
+
Fatores de insegurana alimentar acentuados pela liberalizao:
privatizao; desemprego massivo (Mxico, India, Sri Lanka);
catstrofe natural (os estados so menos implicados);
carncias nas polticas financeira e econmica (Amrica
Central); dificuldades das mulheres; desigualdade no accesso
aos recursos de insumos, gua, terra, tecnologia, etc.)
*
Sade : Les problmes de sant rcurrents de certaines
populations entrainent des dficiences au niveau de la
production des aliments car ils affaiblissent les personnes
, ainsi qu'au niveau de l'assimilation des aliments (notemment
les enfants malades assimilent tres mal la nourriture
qu'ils absorbent). Exemple:
Le sida en Afrique, la malaria, contaminations par l'eau
non potable, etc.
*
Hbitos alimentares : La manire de s'alimenter est cause
d'inscurit. Par exemple, dans le Nord Est du
Brsil certaines carences pourraient tre vites
si la population concerne consommait plus d'oignons et
de fruits, produits qui existent en quantit suffisante
cet endroit. Les nouveaux modles alimentaires notemment
aux Etats-unis (o un tiers des personnes souffrent d'obsit),
et au Canada sont aussi des facteurs d'inscurit alimentaires.
*
Minorits : Constatation que le fait d'appartenir une
minorit aggrave les chances d'inscurit alimentaire.
Par exemple, les Noirs aux Etats-Unis, les Intouchables
en Inde, les Musulmans en Birmanie, les Chrtiens et les
Animistes au Soudan, les Nomades au Sahel, les Indiens
et les Noirs en Amrique Latine, ...
*
Fome poltica : Dans certains pays la faim des populations
dcoule d'une volont politique des dirigeants. Ainsi,
par exemple, Saddam Hussein accentue la faim en Irak cause
par le blocus en revendant la nourriture change contre
le ptrole aux pays voisins, afin de financer son maintien
au pouvoir, et d'accentuer cette consqence du blocus
pour en obtenir la leve. La faim politique peut aussi
tre le rsultat d'une volont d'liminer une population
"genante", comme au Soudan, en Birmanie, en
Afghanistan , en ex-Zaire, au Rwanda, au Kosovo ; le but
de ces famines peut aussi tre l'obtention d'argent, de
nourriture, de camions grce une couverture mdiatique
qui dclenche l'arrive de l'aide internationale, le pays
acquiert alors une visibilit internationale pralable
la reconnaissance politique (Afrique).
|