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Ditadura Militar no RN
Ditadura
Militar de 1964 no Rio Grande do Norte
Glnio
Fernandes de S
Represso no RN
Textos
Glnio
S
Por
Walter Medeiros*
Posso
falar sobre algumas pessoas, dizer o que
vivi e convivi com elas, defini-las com
minha viso ou com parmetros
determinados, incluir a tcnica ou
a emoo em cada momento,
mas de toda experincia que tive at
agora, o maior exemplo de integridade que
conheci foi Glnio S. Longe
de mim achar ou dizer que se tratava de
algum perfeito. Mas dentro dos princpios
e convenes da sua poca
e da sua ideologia, para mim era o maior
exemplo, to extremado que muito
difcil de seguir, to desprovido
de interesses era ele, na sua luta por um
mundo melhor. Era um comunista exemplar.
Na
hora de enfrentar o perigo, enfrentava;
na hora de estudar, estudava; na hora de
viajar, viajava; na hora de amar amava;
at na hora de brincar, brincava
– pois o povo tambm brinca,
inclusive Carnaval. Fazia tudo com tanta
dedicao, que pode ser enquadrado,
entre outras situaes, como
exemplo de intensidade. Desconheo
quem tenha vivido uma vida to intensa
em cada coisa que vivenciava e fazia. Uma
dedicao em busca do melhor,
do exato e, se possvel, do perfeito.
Algum exigente, responsvel,
determinado e forte, a ponto de explodir
quando sentia que algo havia sido feito
errado, algo havia se desencaminhado diante
dele.
Apesar
de todas as imensas preocupaes
que tinha, Glnio tinha sempre um
espao carinhoso para referncias
a sua cidade, Carabas, e
sua famlia, que considerava uma
boa trajetria educativa estudar
em Fortaleza - Cear. J nos
anos 60, advira-lhe a primeira priso,
to marcante que ele lembrava detalhes
da notcia, a qual chamava a sua
participao de manobras.
O Jornal dizia que ele tinha distribudo
boletins considerados subversivos pelas
autoridades. Ele esteve preso na Delegacia
Especial da cidade do Crato - Cear,
onde foi ouvido oficialmente pela Polcia
Federal. Desde 1968 ele participava ativamente
do movimento estudantil secundarista. Foi
preso outra vez, depois de liberado, em
1969.
Em
1970 partiu para So Paulo, onde
se engajou no ento clandestino Partido
Comunista do Brasil – PC do B, indo
atuar no sul do Estado do Par. Participou
da Guerrilha do Araguaia, onde foi recebido
por Joo Amazonas e dedicou-se ao
trabalho no campo. Num momento de infortnio,
ele buscava tratamento para malria,
mas foi delatado e findou preso pelo Exrcito,
que ocupava vastas reas da regio.
ou, ento, um novo perodo
de priso, no qual esteve em vrios
quartis. Foi torturado e submetido
a diversos outros atos desumanos, entre
eles a permanncia em cela solitria,
na qual sequer podia ficar em p.
Sua famlia pensava que ele estava
estudando em So Paulo, mesmo com
a ausncia de notcias. Jamais
imaginava o que havia ocorrido e estava
ocorrendo.
Em
16 de junho de 1973 uma jovem chamada Divina,
residente no interior de Gois, escreveu
uma carta dirigida Farmcia
Minan, para a sua Famlia, no municpio
potiguar de Carabas. A carta era
datada de 16/06/73. Dizia mais ou menos
assim: “O motivo desta comunicar-lhe
que seu filho se encontra preso no setor
dos militares no Pique (PIC) em Braslia.
Querendo maiores informaes,
procure-me. Estou comunicando ao senhor
pelo fato de meu pai estar preso junto a
ele. Ento ele pediu-nos que escrevesse
avisando a vocs. Se vocs receberem
esta carta responda-me. Seu filho Glnio
pede que vocs compaream em
breve”. Ela pedia que acusassem o
recebimento, porque naquela poca
ningum tinha certeza de que a correspondncia
chegava.
Algumas
providncias foram adotadas pela famlia,
que conseguiu localiz-lo no crcere,
e com quem manteve correspondncia
– censurada - enquanto tomava as medidas
jurdicas cabveis.
Vivenciadas
todas estas atribulaes,
em 10 de setembro de 1974 Glnio voltou
para Fortaleza depois de identificado pela
advogada Eva Ribeiro Monteiro, que conduzia
documento lacnico registrando sua
priso: “MINISTRIO
DO EXRCITO - COMANDO DO I EXRCITO
– CHEFIA DE POLCIA - DECLARAO
- Declaro que o portador da presente, GLNIO
FERNANDES DE S, esteve
disposio do I Exrcito,
achando-se atualmente liberado, podendo
deslocar-se para FORTALEZA, sua cidade natal.
Rio, GB, 05 de Setembro de 1974 (a.) MILTON
BARBOSA DOS SANTOS – Ten Cel - CHEFE
DE POLCIA DO I EXRCITO”.
Glnio voltou ao convvio da
famlia em setembro de 1974, mudando-se
em seguida para Natal, onde prestou vestibular
e comeou a cursar Geologia na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Retomou
contato com o movimento estudantil, onde
foi dirigente do Centro Acadmico
de Cincias Exatas, e liderou a reestruturao
do Partido Comunista do Brasil. Era uma
pessoa extremamente disciplinada e organizada,
com a agenda sempre preenchida por eventos,
estudos e outros afazeres. Acima de tudo,
entretanto, era clara a dedicao
24 horas de cada dia militncia
poltica.
A
tmpera revolucionria de Glnio
fazia-o buscar incessantemente a reimplantao
do Partido na regio, atravs
dos contatos possveis. Noites, madrugadas
e dias afora ele tentava reconstituir de
memria os documentos, entre eles
os Estatutos, ao mesmo tempo em que procurava
participar dos raros eventos democrticos
que eram programados. Corajosamente, fundou,
juntamente com outros militantes polticos,
no incio de 1980, no bairro de Igap,
uma Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos
- SDDH. A SDDH foi a forma encontrada para
aglutinar as pessoas e organizar as reivindicaes
populares, que eram muitas.
Havia
uma movimentao revolucionria,
onde as exigncias por democracia
aumentavam e o povo clamava por uma Constituinte
que substitusse o autoritarismo
da Emenda Constitucional N 1, chamada
de Constituio de 1969. Era
conseqncia da experincia
dos anti-candidatos Ulisses Guimares
e Barbosa Lima Sobrinho, para Presidente
e Vice-Presidente da Repblica e
outros momentos de luta nos meios partidrios
e estudantis, uma vez que os sindicatos
quase no participavam de atividades
que entrassem em confronto com a ditadura.
Algum
contato feito pelos partidos clandestinos
eram avaliados muito cuidadosamente, pois
podiam tratar-se de ciladas da represso.
Tempo em que at as informaes
tinham que ser decoradas e no anotadas,
para no deixar pistas. Ningum
podia se arriscar. Depois de retomado o
contato com o Partido, periodicamente recebamos
a visita de membros do Comit Central,
que traziam documentos e informaes,
alm de realizar reunies
completas para atualizar a todos. Eram antigos
camaradas, que traziam grandes experincias
da luta revolucionria e novos militantes,
que estavam exercendo funes
importantes na poltica nacional
ou regional. As reunies eram sempre
um perodo de total tenso.
O aparelho tinha que ser mantido na mais
perfeita camuflagem e o sigilo sobre a presena
do representante nacional era total. Nada
podia ser revelado nem mesmo aos familiares
que no estivessem envolvidos com
o Partido, pois tratava-se de questo
de vida ou morte.
Glnio
recebia sempre as informaes
necessrias compreenso
do estabelecimento de novos nveis
de organizao, acompanhando
atentamente cada evento da rea estudantil,
sindical e partidria. Para tanto,
articulou conosco e outros a distribuio
semanal da “Tribuna da Luta Operria”,
que era uma nova forma de construir o partido
nas massas populares. Os movimentos evoluram
e ele era figura sempre presente e influente
na articulao, que mobilizou
sociedades de amigos de bairros, movimento
de mulheres, movimento contra a carestia,
pastoral operria, pastoral da juventude,
associaes de servidores
pblicos, de estudantes e de professores,
alm de partidos polticos
de oposio e dos sindicatos
de trabalhadores. Onde havia espao,
estava ele levando a sua palavra de luta,
irada e seguida cada vez por mais pessoas
que decidiam acompanh-lo.
Em
meio a toda aquela efervescncia,
participou de articulaes
importantes para a redemocratizao
do Brasil. Pode parecer normal ou comum
nos dias de hoje o encontro de dirigentes
para coligaes, mas
poca era algo bastante tenso: por
tratar-se de decises rodeadas de
preocupao com a segurana,
e que tinham de ser baseadas nas normas
do partido, porm com a abertura
suficiente para a tomada de decises
dentro de novos cenrios.
Sempre
com o objetivo de levar ao povo a mensagem
do seu partido e do socialismo, Glnio
S foi escolhido candidato a vereador,
deputado estadual e senador. O simples fato
de ser candidato e levar aquela mensagem
j constitua uma demonstrao
de desprendimento e coragem. Na campanha
ao Senado, em 1990, foi vtima de
um acidente nunca esclarecido, em Jaan,
mas que citado at como
item da Operao Condor. Morreu
junto com o companheiro de partido Alrio
Guerra, outro destemido dirigente do partido.
A sua morte chocou os meios polticos
potiguares e a despedida foi feita ao som
de memorvel msica que tem
entre seus versos a conhecida sentena:
“Amigo coisa pr se
guardar”.
Falar
de Glnio lembrar aquele
seu andar firme, aquele sorriso amvel,
aquele olhar srio pelos corredores
do campus da UFRN, pelas ruas de Igap,
do Alecrim e de Natal inteira, pelos palanques
das frentes democrticas e revolucionrias.
recordar as reunies nos
aparelhos do PC do B, um deles na minha
prpria casa, na sede do partido
que comeou a instalar-se publicamente
em prdio situado em frente ao Instituto
Padre Miguelinho, de onde se mudou para
o Edifcio Leite, para uma casa da
Avenida Deodoro e depois para o prdio
da antiga Rdio Nordeste.
v-lo com agenda e papis na
mo, conferindo os compromissos prprios
e de todos os que com ele e com o partido
assumiam compromissos, conferindo sempre
com aquela postura digna de quem estava
a cada instante fazendo a sua parte, no
dizer de Agostinho Neto colocando “pedras
nos alicerces do mundo”.
*Jornalista
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